segunda-feira, 26 de abril de 2010

10ª Aula - Da Eficácia Jurídica do Casamento

De início, devemos lembrar que o casamento é um direito fundamental que está, inclusive, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que traz no artigo 16:
I - os homens e mulheres a partir da idade núbil sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família, gozam de iguais direitos em relação ao casamento sua duração e dissolução.
II – o casamento não será válido senão por livre e pleno consentimento dos nubentes.
III – a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

Casamento: a CRFB/88 trata da família em vários dispositivos, e o casamento está diretamente ligado a ela, porque há o interesse em que o casamento seja a base da unidade familiar, embora, não haja restrição quanto às outras relações que não sejam formalizadas pelo casamento, assim como relações entre o pai e o filho, mas tudo dentro da família. A importância atribuída ao casamento é relevante, pois a Constituição dispõe sobre o interesse para que seja facilitada a conversão da união estável em casamento.

Princípios que norteiam o casamento:
1. Liberdade – de escolha sobre o regime legal (liberdade relativa), a escolha do consorte;
2. Monogamia (exigência legal);
3. Igualdade entre os cônjuges (exigência constitucional – art. 226, § 5º e precipuamente no art. 5º, I).

O Código de 1916 dispensava tratamento diferenciado entre homens e mulheres, porém, a jurisprudência antes do NCC já vinha adotando a igualdade prevista na CRFB/88.
O art.1535 permanece com a mesma redação do CC/16 que exige a presença das partes, entretanto, o art.1542 admite uma procuração. Portanto, é um ato pessoal dos nubentes, porém, admite procuração.

Propósito: legitimar as relações sexuais dentro do casamento, com conseqüências sobre o direito dos filhos, por exemplo; proteção à prole; direitos patrimoniais diversos são assegurados, inclusive, de um assistir ao outro.

Eficácia do casamento:
1. Cria-se uma relação jurídica, um negócio (é possível negociar o regime de bens, o local de residência, o número de filhos, etc). No Brasil o pacto antenupcial é pouquíssimo utilizado, quando muito somente o regime de bens é objeto de alteração.
2. Altera o estado civil que antes do casamento pode ser: solteiro, viúvo ou divorciado. O separado não pode casar-se.
3. Conseqüências no tocante ao relacionamento dos cônjuges com os filhos em função do casamento.
4. Efeito ideológico – a entidade familiar tem o contraste com o casamento, no sentido de formação da família.

Ex.: caso da avó que deu à luz uma criança gerada em seu ventre por inseminação artificial, mas com material genético de seu filho e sua nora. O Oficial do Registro Civil levantou a dúvida sobre quem seria a mãe: se a que constava no atestado fornecido pela maternidade ou a mãe biológica. O juiz, apesar dos laudos sobre o tratamento de inseminação artificial, determinou a realização do exame de DNA que confirmou que a nora era a mãe biológica. Então, mater não é tão certa.

EFEITOS DO CASAMENTO:

Sobre o tema vide o art. 1.565 e seguintes. Estes efeitos se baseiam na igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges, nos termos dos arts. 226, § 5o da CRFB e 1.511 do CC.

Efeitos sociais do casamento:

Tais efeitos estão ligados aos princípios atinentes à vida social. O primeiro efeito, previsto constitucionalmente, seria que o casamento é um dos modos de criação da família, e para alguns doutrinadores os direitos e deveres referentes às pessoas casadas entre si poderiam se sobrepor, inclusive, no sentido jurídico, aos direitos e deveres dos companheiros na união estável, já que o casamento seria a união formalizada de direito entre homem e a mulher e a união estável uma união de fato, desformalizada e juridicamente de segunda classe.
O casamento é mencionado como modo criador da família legítima na CRFB, especificamente no art. 226 §§ 1o e 2o e regulamentado em muitos artigos no código civil. Portanto, a grande diferença entre união estável e o casamento, é que este é considerado uma união de direito, devendo ser formalizado perante o poder público, até porque, trata-se de um ato solene, formal, o que não ocorre com aquela, que se trata de uma mera união de fato, não existindo nenhuma solenidade ou formalidade na sua formação, embora ambas constituam família. No entanto, vários doutrinadores entendem que quanto ao conteúdo, ou seja, quanto aos direitos e deveres da relação jurídica do casamento e da relação jurídica pertinente a união estável, não deve haver diferença jurídica, sob pena de inconstitucionalidade.
Visto o exposto acima, podemos vislumbrar dois argumentos sobre o tema:

· Pode-se dizer que há uma diferença entre casamento e união estável apenas no ato jurídico que os origina, mas não há nenhuma diferença no conteúdo, sob pena de tal entendimento tornar-se inconstitucional.

· Pode-se também entender, e este é o entendimento do Deputado. Fiuza, relator do projeto que irá alterar o novo código, que o art. 226 § 3o, da CF/88, ao dizer que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, significaria simplesmente, que a união estável é uma instituição meio para se chegar a um casamento, considerado uma instituição fim, e, portanto, pode haver discriminação de direitos entre as pessoas casadas e os companheiros, não havendo nada de inconstitucional nisso.
Outro efeito social do casamento é a emancipação do cônjuge menor de idade, que se torna plenamente capaz, (art. 5o parágrafo único, II), salvo se o casamento for inválido, especialmente o casamento nulo, e se não houver sido reconhecida a putatividade do cônjuge menor. Assim, em um casamento nulo, via de regra, como os efeitos da declaração de nulidade são ex tunc, não haveria emancipação, pois os efeitos desta sentença retroagem até a celebração, salvo se houver putatividade a seu favor[1].

O casamento também confere aos cônjuges o status de casado, fator este de identificação social, pois a família é a base da sociedade.
O quarto efeito é considerado o estabelecimento de vínculo de afinidade entre um cônjuge e os parentes do outro, (art. 1.595 §§ 1o e 2o), sendo que a afinidade na linha reta não se extingue com a dissolução do casamento ou, como novidade no novo código, com a extinção da união estável. A afinidade é a relação jurídica que torna um cônjuge ou um companheiro, na união estável, aliado dos parentes do outro.
O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes (afinidade em linha reta) e aos irmãos do cônjuge ou companheiro (afinidade colateral até o segundo grau). Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.

Em síntese, podemos elencar os seguintes efeitos sociais do casamento:

· Criação da família,
· Emancipação do cônjuge menor de idade,
· Criação do estado de casado,
· Vínculo de afinidade entre um cônjuge e os parentes do outro.

Obs. Sobre alimentos entre parentes: Existe opinião, que de acordo com o prof. Luiz Paulo Vieira de Carvalho é minoritária, no sentido que caberia alimentos para os parentes por afinidade, inclusive para os colaterais. O prof. interpreta o art. 1.694 que trata do tema, no sentido que o parentesco ali referido é o da consangüinidade (natural) ou da adoção (civil), mas não da afinidade. Ora o art. 1.697 diz que na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e faltando estes, aos irmãos, assim germanos ou unilaterais. Assim, se o legislador quisesse incluir os afins teria de ter colocado aqui expressamente, o que não fez. Inclusive o prof. acrescenta que nunca houve a intenção de estender os alimentos aos afins.

Pergunta: No caso de nulidade ou anulação do casamento, permanece o vínculo da afinidade?
R: O prof. Luiz Paulo Vieira de Carvalho diz que o vínculo da afinidade permanece, mesmo no casamento nulo sem putatividade ou na união estável, com base no § 2º. Contudo, existe um autor chamado Vicente Faria Coelho que defendia, mas em posição francamente minoritária, que se o casamento fosse nulo sem putatividade, o vínculo da afinidade se extinguiria, e nesta hipótese seria possível o casamento com a ex-sogra ou com a ex-enteada.

Efeitos pessoais do casamento:

O principal efeito pessoal do casamento consiste no estabelecimento de uma comunhão plana de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges (art.1.511), o que implica uma união exclusiva, uma vez que o primeiro dever imposto aos cônjuges no art. 1.566, é o de fidelidade recíproca. A aludida comunhão está ligada ao princípio substancial, que pressupõe o respeito à diferença entre os cônjuges e a conseqüente preservação da dignidade das pessoas casadas.
Os efeitos pessoais do casamento referem-se especialmente e em primeiro lugar aos direitos subjetivos internos entre os cônjuges, atualmente relacionados no art. 1.566 inciso I a V. Este artigo relaciona os direitos subjetivos recíprocos entre os nubentes, sendo que tais direitos possuem cunho extrapatrimonial e patrimonial. O inciso IV do art. 1.566, no entanto, refere-se, não a um direito subjetivo entre o casal, e sim ao poder-dever jurídico, assemelhado ao direito potestativo que os pais têm em relação à prole, de sustento, guarda e educação dos filhos incapazes, decorrente do poder familiar como uma obrigação natural.
Os direitos e deveres internos entre os cônjuges se forem violados por qualquer um deles ou por ambos, ensejam a separação judicial litigiosa por culpa, desde que tal violação torne insuportável a vida em comum por impossibilidade do prosseguimento na comunhão de vida, (arts. 1.572 caput e 1.573, I a VI e seu parágrafo único).

Efeitos patrimoniais do casamento:

O casamento gera para os consortes, além dos efeitos pessoais, conseqüências e vínculos econômicos consubstanciados no regime de bens, nas doações recíprocas, na obrigação de sustento de um ao outro e da prole, no usufruto dos bens dos filhos durante o poder familiar, no direito sucessório etc.
O regime de bens é, em princípio irrevogável, só podendo ser alterado nas condições mencionadas. Antes da celebração, podem os nubentes modificar o pacto antenupcial, para alterar o regime de bens. Entretanto, celebrado o casamento, ele se torna imutável. Mesmo nos casos de reconciliação de casais separados judicialmente, o restabelecimento da sociedade conjugal dá-se o mesmo regime de bens em que havia sido estabelecida. Se o casal se divorciar, poderá casar-se novamente, adotando regime diverso do anterior.
Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que o princípio da imutabilidade não é ofendido por convenção antenupcial que determine que, em caso de superveniência de filhos, o casamento com separação se converta em casamento com comunhão.
São, efeitos patrimoniais, a criação do regime de bens entre os cônjuges (arts. 1.639 a 1.688), dever de manutenção da família, hoje em relação a ambos os cônjuges (art. 1.688) e o usufruto legal dos pais em relação aos bens dos filhos incapazes (arts. 1.689 a 1.693)

Deveres recíprocos dos cônjuges:

Análise do art. 1.566

São deveres de ambos os cônjuges:

I – fidelidade recíproca:

Segundo Santiago Dantas “a causa motriz do casamento é o extinto sexual e o que mantém o casamento é o exclusivismo sexual”. Uma das finalidades do casamento é a satisfação fisiológica primária, em relação ao sexo, entre os nubentes, e sendo a família monogâmica, a conjunção carnal e os atos sexuais em geral só podem se dar com prestação exclusiva do débito conjugal, um em relação ao outro. Um cônjuge pode exigir do outro o relacionamento íntimo, isto é, cada um tem direito ao corpo do outro, através da coabitação.
Portanto, a quebra mais grave do dever de fidelidade, mencionada pela doutrina e também pelo novo código no art. 1.573, I, é o adultério[2].

O que é o adultério?
R: Adultério é o relacionamento sexual proibido, dito normal, entre um cônjuge e pessoa que com ele não é casado, pessoa esta necessariamente de sexo diferente. Portanto, se um dos cônjuges têm relação carnal com uma pessoa de sexo diverso, que não seja com ele casado, haverá o adultério. Para que ocorra o adultério, além da conjunção carnal proibida, que é o elemento objetivo do adultério, é preciso também o elemento subjetivo, isto é, a voluntariedade da conduta do adúltero.

Desse modo o adultério possui dois requisitos:

· Elemento objetivo: conjunção carnal proibida de um cônjuge com terceiro estranho ao matrimônio.
· Elemento subjetivo: voluntariedade da conduta do adúltero.

Assim, aquele que pratica a conjunção carnal proibida no momento do ato deve ter consciência de que está realizando de maneira voluntária a traição. Deste modo estaria excluído como adultério:

· Terceiro que obtém a conjunção carnal com violência moral ou real, empregada contra o cônjuge (Estupro).
· Quando terceiro obtém a conjunção carnal mediante fraude ou ardil, através, por exemplo, de drogas, hipnose, sonambulismo, posse sexual mediante fraude, etc.

A doutrina também entende, com base no antigo código, em dispositivo revogado, porém sempre presente, que o perdão expresso ou tácito do cônjuge enganado pelo adultério do outro, exclui a causa de separação judicial, pois já não haveria mais insuportabilidade da vida em comum, isto é, não mais permaneceria a ofensa a dignidade do outro. No perdão expresso o cônjuge enganado, verbalmente ou por escrito, perdoa o outro por aquele fato. Já o perdão tácito ocorre quando o cônjuge enganado, embora sabendo da infidelidade, continua a coabitar com o outro.
Segundo Orlando Gomes, nas hipóteses de relacionamento sexual diversos da conjunção carnal, como o coito anal, relacionamento homossexual, haveria evidentemente quebra do dever de fidelidade, não como adultério, mas sim como quase adultério ou injúria grave. Do mesmo modo não há que se falar em adultério precoce, que é a causa de anulação do casamento do antigo código que ocorria quando o marido desonrado percebia que tinha se casado com uma mulher que não era virgem, (art. 219 inciso IV e art. 178 § 1o do antigo código). Deve-se ressaltar, contudo, que tais artigos não foram recepcionados pelo código novo e pela CRFB, por força da igualdade entre homem e mulher.
Também é incorreta a expressão adultério virtual, que ocorreria quando uma pessoa casada troca intimidades com uma outra pessoa via Internet, isto porque a troca de informações íntimas não representa conjunção carnal, ficando, portanto, no campo da injúria grave, sendo também quebra do dever de fidelidade, tal como troca de carícias, intimidades ou namoro com outra pessoa.
É tranqüilo na doutrina e na jurisprudência que se um cônjuge incentiva o outro através de trocas de casais ou para que o outro mantenha relação sexual com terceiro, tal fato não enseja, por nenhum dos cônjuges, ação de separação judicial com atribuição de culpa, já que ninguém pode se aproveitar da sua própria torpeza.




II- vida em comum, no domicílio conjugal;

Trata-se do dever de manter o relacionamento sexual, sendo que este dever tem de ser exclusivo.
Aqui o legislador determina que é direito e dever recíproco no casamento a vida em comum no domicílio conjugal. Isto significa que há um dever de ambos os cônjuges de coabitação, ou seja, de manter relações sexuais com o outro. A coabitação é muito importante para o casamento, porém não é da essência do matrimônio, já que a lei permite o casamento com um cônjuge em iminente risco de vida, e também permite o casamento de pessoas idosas, que não podem ou não têm condições físicas para a prestação do débito conjugal. Lembrando que o não cumprimento do dever sexual é considerado injúria grave e uma violação do dever do casamento, que enseja a separação judicial litigiosa com culpa (vide art. 1.572 caput), desde que a recusa seja injustificável, pois existem outros motivos que geram o não cumprimento desse dever, mas são considerados motivos justificáveis, como por exemplo: grave enfermidade, acidente que de maneira temporária ou permanente impeça a prestação do débito conjugal, o exercício de profissão em outro local (ex: oficial de marinha mercante), voto de castidade feito por ambos os cônjuges etc.

Obs. sobre o domicílio no casamento: Como o código novo prega a absoluta igualdade entre os nubentes (art. 1.569), não compete mais exclusivamente ao marido o direito de fixar o domicílio da família, aliás, tal hipótese já ocorria desde a promulgação da CRFB de 88, que trouxe esta igualdade a nível constitucional. O domicílio do casal é escolhido por ambos os cônjuges, porém pode ocorrer que haja divergência, e nesse caso, pelo parágrafo único do art. 1.567, qualquer deles pode recorrer ao juiz, podendo este decidir, nos termos do art. 1.567 caput. A regra é que a coabitação ocorra no domicílio conjugal, sendo, no entanto, perfeitamente possível que um dos cônjuges, como, por exemplo, sendo funcionário público no exercício de sua profissão ou por motivo de interesse particular relevante (mestrado no exterior por exemplo), possa, sem violar a lei, residir em local diverso do outro cônjuge (vide art. 1.569 c/c art. 72 parágrafo único e art. 76 do novo código civil). Ressaltando que tal hipótese pode excepcionalmente acontecer ainda por acordo entre os cônjuges. Assim, se amanhã você se casar e decidir que não há nenhuma insuportabilidade da vida em comum cada cônjuge morar em um apartamento, isto será possível, haja vista que não há nenhuma violação a ordem pública aqui, todavia nenhum dos cônjuges pode alegar que o outro violou o dever de residir no mesmo domicílio.

III – mútua assistência;

Este dever obriga os cônjuges a se auxiliarem reciprocamente em todos os níveis. Incluindo, desta forma, a prestação recíproca de socorro material, como também assistência moral e espiritual.
Trata-se de dever que se cumpre na maioria das vezes de modo imperceptível, uma vez que se trata de um conjunto de gestos, atenções, cuidados na saúde e na doença, serviços, suscitados pelos acontecimentos cotidianos. Envolve, portanto, deveres de respeito, sinceridade, recíproca ajuda e mútuos cuidados.

IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

O sustento e a educação dos filhos constitui dever de ambos os cônjuges. A guarda é ao mesmo tempo, dever e direito dos pais. A infração ao dever em epígrafe sujeita o infrator a perda do poder familiar e constitui fundamento para a ação de alimentos. Em tese, configura também causa para a separação judicial (art. 1.572, CC/02).
Subsiste a obrigação de sustentar os filhos menores e dar-lhes orientação moral e educacional mesmo após a dissolução da sociedade conjugal, até eles atingirem a maioridade. A jurisprudência, no entanto, tem estendido essa obrigação até a obtenção do diploma universitário no caso de filhos estudantes que não dispõem de meios para pagar as mensalidades.
O dever de sustento ou de prover à subsistência material dos filhos compreende o fornecimento de alimentação, vestuário, habitação, medicamentos e tudo mais que seja necessário à sua sobrevivência; o de fornecer educação abrange a instrução básica e complementar na conformidade das condições sociais e econômicas dos pais; e o de guarda obriga a assistência material, moral e espiritual, conferindo ao detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive pais.

V- respeito e consideração mútuos;

Tal dever fundamenta-se na afecttio maritalis que deve existir entre os cônjuges. Ambos os cônjuges devem zelar pela honra e dignidade da família, um cônjuge não deve expor o outro consorte a companhias infamantes, a ambientes de baixa moral e ainda respeitar a liberdade do outro, na sua privacidade, na sua correspondência, sendo que este dever de respeito está intimamente ligado ao inciso III do art. 1.566 no chamado dever de mútua assistência, em relação à chamada assistência espiritual, que não se confunde com o dever de assistência material, também neste inciso presente, já que o dever de assistência material decorre do dever de sustento da família, na colaboração de ambos nos encargos da família, vide art. 1.565, 1.567 e 1.568, ou seja, a partir da CRFB de 88, agora expresso no novo código.
De acordo com o dever de mútua assistência material, tanto o marido quanto a mulher, na proporção de seus bens e rendimentos, têm o dever de sustentar a família, inclusive prover a educação dos filhos, qualquer que seja o regime de bens. Tal dever de acordo com o código anterior era somente do marido, sendo que a mulher era apenas uma colaboradora, salvo se o regime fosse o da separação convencional de bens, em que ambos teriam de colaborar proporcionalmente, exceto disposição contrária no pacto antenupcial.
Portanto, a mútua assistência, expressa no inciso III do art. 1.566, divide-se:

· Mútua assistência espiritual, que relaciona-se com o dever de consideração e respeito e está intimamente ligado ao inciso aqui em análise.

· Mútua assistência material, que refere-se ao sustento da família.

Clóvis Beviláqua dizia que a mútua assistência espiritual se revelava com os cuidados que o cônjuge deve ter em relação ao outro nas moléstias deste, no socorro as desventuras da vida, no apoio à adversidade, porém na realidade a mútua assistência espiritual e o dever de socorro são violados em qualquer hipótese, quando um cônjuge através da violência física, seja na tentativa de morte ou nas sevícias (injúria a integridade corporal, agressão física), venha a atingir o outro, sendo que tais hipóteses estão mencionadas pelo novo código, de maneira exemplificada, no art. 1573, II e III, como ensejadoras da separação judicial litigiosa com culpa, como por exemplo: a prática de maus tratos, agressões físicas, atentado a integridade corporal do outro cônjuge, atos vexatórios, como corte de cabelo não consentido, castigos corporais, prisão “domiciliar”. É importante ressaltar que basta um só ato, como, por exemplo, um tapa, para caracterizar a sevícia, devendo-se também, naquelas circunstâncias, ficar comprovada a insuportabilidade da vida em comum pela ocorrência do fato, através de prova testemunha, pericial, devendo o juiz por conta disso levar em consideração as condições sociais do casal.
Pode ocorrer, contudo, que não haja ofensa física e sim apenas ofensas morais, também caracterizadas como injúria grave, ato atentatório a honra do outro cônjuge violador do dever de mútua assistência espiritual e do dever de respeito, como por exemplo: ultraje por palavras, acusações infundadas de adultério, situação vexatória no lar e na sociedade, existindo decisões no sentido de que a embriaguez habitual, a injusta recusa de relações sexuais, práticas homossexuais do outro, até a transmissão de doenças venéreas, se enquadrariam como ofensa moral, ensejadora de separação judicial culposa, desde que tais atos tornem insuportável a vida conjugal ao outro, sendo que tais atos devem nascer ou ocorrer posteriormente ao casamento, pois caso contrário seria causa de anulação, cabendo ao juiz, com o prudente arbítrio, examinando as circunstâncias e o meio social em que o casal vive, verificar a sensibilidade de cada um, determinando com isso se a conduta é desonrosa ou não, (art. 1.779º, I e II do código civil português).

Obs. sobre abandono voluntário do lar conjugal durante período relevante: O novo código no art. 1.573, IV traz como uma hipótese de violação do dever de coabitação por qualquer dos cônjuges, trata-se do abandono voluntário do lar conjugal durante um ano contínuo. Este inciso é duplamente infeliz, afirma o prof. Luiz Paulo Vieira de Carvalho, e será corrigido no projeto 6960/2002 de autoria de Ricardo Fiuza. Em primeiro lugar, abandono em sentido técnico do termo, ou seja, em sentido jurídico tem sempre duas características:

· Elemento objetivo: retirada da pessoa da coisa, ou seja, o despojamento da pessoa em relação à coisa;
· Elemento subjetivo: a intenção de retirar-se do bem, a intenção de não mais utilizá-lo, e no nosso caso seria a intenção de retirar-se do domicílio conjugal.

Porém, segundo a doutrina, só haverá abandono se a causa da retirada for injustificável, sendo redundância falar-se em abandono voluntário, já que só há abandono se houver voluntariedade. Se a causa da retirada do cônjuge do lar conjugal for a injúria física, a injúria moral, tornando insuportável a vida em comum, não haverá abandono de lar, isto é, não haverá violação do dever de coabitação a justificar uma separação culposa.
O novo legislador diz que o abandono voluntário do lar só seria considerado causa de separação com culpa se tiver duração de um ano contínuo, numa disposição que no antigo código já estava revogada pela lei do divórcio, ou seja, esta lei estabelecia que a retirada do lar conjugal seja ela injustificada e voluntária, independentemente do prazo de retirada, haveria violação do dever de coabitação.

Obs. sobre dano moral no casamento: A doutrina discute se é cabível ação de responsabilidade civil de um cônjuge em relação ao outro, quando um deles violou qualquer um dos deveres do casamento, ensejando ao outro, danos morais e materiais. Alguns autores inicialmente afirmaram que não, já que os danos materiais seriam havidos seja pela partilha de bens, independentemente da culpa de qualquer um deles, seja pelo dever do cônjuge culpado prestar alimentos ao cônjuge inocente e necessitado (vide art. 19 da lei do divórcio – Lei nº6.015/73). Quanto aos danos morais afirmavam que o fato de ocorrer a separação judicial, até por culpa, seria um evento perfeitamente previsível pelos nubentes, acontecimento quase cotidiano, sem ofensa a dignidade, sem ensejar dano moral.
Aos poucos a doutrina começou afirmar que a violação de dever de matrimônio de natureza grave, havendo nexo causal e prejuízo material comprovado pelo cônjuge inocente, seria nada mais nada menos de que um ato ilícito enquadrável na cláusula geral de responsabilidade subjetiva do art. 186 e 927 caput. Lembrando que o ato ilícito decorre da violação de um dever preexistente na lei ou no contrato, da culpa em sentido amplo, do dano e do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. Ora o cônjuge que viola o dever do casamento e provoca uma separação judicial, gerando com isso prejuízo material para o cônjuge inocente, pratica um ato ilícito que é fato gerador da responsabilidade civil subjetiva. Em se tratando de dano moral, desde que as circunstâncias da separação demonstrem que os atos violadores dos deveres do casamento, no caso em concreto, atingiram a dignidade e a respeitabilidade do outro cônjuge, seria cabível a compensação em dinheiro pelo dano moral.
Portanto, em princípio, a doutrina diz que não há que se falar em dano moral na separação com culpa, isto porque se você se casa é previsível que algum dos nubentes viole o dever do casamento, ora se é previsível não ocorre o dano moral, e sim um evento desconfortável do dia a dia. Porém, existem hipóteses que causam um impacto além do que seria previsível pelo simples fato de casar, inclusive tal fato gera ofensa à dignidade e a respeitabilidade. Assim, dependendo das circunstâncias, admite-se o dano moral quando há realmente ofensa a dignidade do outro cônjuge.
Importante ressaltar sobre o tema, que o projeto 6960/02 pretende trazer ao novo código expressamente, como parágrafo segundo do art. 927, o seguinte: “os princípios da responsabilidade civil aplicam-se também as relações de família”.
[1] Sobre o tema vale conferir a pag. 81 do livro de Direito Civil, parte geral, José Assir Lessa Giordani. Ressaltando deste logo que este autor segue a mesma orientação do professor dada acima.
[2] O projeto 6960/02 tem como objetivo corrigir o art. 1.573, I substituindo a palavra adultério pela expressão, em sentido amplo, infidelidade.

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