domingo, 14 de março de 2010

6ª Aula - Procedimento de Habilitação

DO PROCESSO DE HABILITAÇÃO PARA O CASAMENTO arts. 1.525 a 1.532 CC

A habilitação é um procedimento de jurisdição voluntária, que é feito perante o registro civil com a apresentação dos documentos exigidos no art. 1525. Os documentos apresentados na habilitação têm por finalidade impedir que o casamento seja realizado sem a observância das formalidades legais, tendo em vista também a capacidade para o casamento e a não ocorrência dos impedimentos matrimoniais.
Exceções:
Art. 1.520. Caso em que poderia haver o casamento para evitar o cumprimento de pena, o que foi tacitamente revogado com o advento da Lei nº 11.106/05 que dentre outros dispositivos, revogou os incisos VII e VIII do art. 107 do CP.
Art. 1.525, IV  não é suficiente o trânsito em julgado da sentença de divórcio de casamento anterior. É necessária a averbação no Registro Civil.
Art. 1.526  mudança, porque antes o juiz não precisava ser ouvido; só o MP. Agora passa por ambos (MP-Juiz). Art. 1.532  mudança de três meses para 90 dias. Natureza jurídica desse prazo: decadencial. Se perder o prazo, tem que pegar outra certidão.

A eficácia da habilitação não é mais de três meses, mas sim de 90 dias (Cuidado: não é a mesma coisa). Art 1516, § 1º e 1532, do CC/02. Outra mudança é que antes se apresentava toda a documentação para o oficial do Registro Civil, que encaminhava ao MP, que era o curador de Registro civil e ele dizia se essas pessoas estavam ou não habilitadas para se casarem. Agora, além da participação obrigatória do MP, o juiz tem que homologar, senão eles não poderão se casar. A intervenção judicial é agora obrigatória. Art. 1526.
Logo, temos:
Oficial do registro civil  MP (curador de registro civil)  homologação pelo juiz.
Apesar do art. 1526 falar em audiência com o MP, os nubentes não vão se encontrar com o Promotor, o MP, vai apenas verificar a documentação e estando tudo correto o juiz homologa. Essa audiência deve ser entendida como a manifestação do MP, o exame feito pelo MP como custos legis.
Como se faz a habilitação para o casamento?
R: Os nubentes vão ao cartório de registro civil e entregam a documentação exigida na lei para o casamento (art. 1.525, CC/02). Apresentada a documentação, o oficial vai encaminhar essa documentação ao MP e estando tudo OK, o juiz homologa.


Da Capacidade para o casamento

De acordo com o que dispõe o art. 1.517, a partir de 16 anos, homem e mulher, com autorização de ambos os pais podem contrair matrimônio.
Para que as pessoas possam se casar, será preciso que fique comprovada a capacidade para o casamento, e por isso não se pode confundir impedimento matrimonial para o casamento, (v. art. 1521), com incapacidade matrimonial, (v. arts. 1517 a 1520). Determinado indivíduo será incapaz para se casar quando não possuir aptidão para casar com pessoa alguma. Ex: pelo novo código civil a idade nupcial mínima, em regra, para o homem e a mulher é de dezesseis anos, tendo em vista que a partir daí o legislador presume a puberdade, o discernimento e uma certa capacidade. Importante ressaltar que o decreto 66.605/70, que ratifica uma convenção internacional sobre casamento, permite no seu art. 2o que o juiz possa, desde que haja motivo relevante a critério do próprio juiz, autorizar o casamento de quem não tenha idade nupcial, independentemente da regra do 1520 (observado o advento da Lei nº 11.106/05).
O incapaz para o casamento também pode ser o louco interditado ou não, já que o doente mental grave não tem qualquer discernimento, o surdo mudo que não pode exprimir sua vontade, também não tem capacidade matrimonial, o menor - de dez anos de idade, por exemplo -, nem na hipótese para evitar eventual medida sócio-educativa.
Já o impedimento matrimonial, segundo Clóvis Beviláqua, é um fato legal impeditivo do casamento, e o impedido de casar não pode casar-se apenas com determinadas pessoas mencionadas pelo legislador, mas pode fazê-lo com outras.
Questão: As presunções em direito são absolutas e relativas, essa presunção é absoluta ou relativa? Ela comporta exceções?
R: Deve haver bom senso. Depende da idade, se for uma menina de oito anos de idade, nenhum juiz do mundo vai permitir esse casamento. Agora se for uma menina um pouco maior, como por exemplo, uma menina de 14 anos, aí, em determinadas hipóteses o juiz pode autorizar o casamento de uma pessoa que não tem idade nupcial, nos termos do art. 1520. Então, essa presunção para se casar com uma menor de 16 anos, é relativa e não absoluta.
Arts. 1520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal (Lei nº 11.106/05) ou em caso de gravidez.
Com relação ao casamento de menor para evitar o cumprimento de pena criminal, já não se aplica mais, em virtude do advento da lei 11.106/05, ou seja, não extingue mais a punibilidade, pois, uma vez afastada essa possibilidade do CP, afasta-se também do CC.
No entanto, o Leoni acha que poderia se usar esse argumento em se tratando de imposição de ato infracional análogo a crime, ou seja, um crime em tese provocado por um menor de 18 anos. Portanto, caso aconteça esse ato infracional por parte desse menor e os dois quiserem se casar poderá o juiz autorizar o casamento, não para evitar a imposição de pena criminal, mas para evitar a imposição das medidas sócio-educativas.
Persiste, ainda, a hipótese de gravidez, ou seja, a menina menor de 16 anos está grávida, está querendo casar, o rapaz tem condições financeiras e, requerem ao juiz, com a oitiva do MP, o pedido de autorização para se casarem, independentemente do consentimento dos pais – art. 1520.
Uma das funções do chamado curador especial é quando houver conflito de interesses entre o representante ou assistente do incapaz – art. 9º do CPC, LC 80/94, CF.
Ex.: Menina de 15 anos está grávida e morando com um rapaz de 19 anos, quer se casar e os pais não querem. Neste caso estará havendo colidência de interesses, caso em que essa menina irá procurar um Defensor Público para ser seu curador especial. Todas as vezes que houver interesse de incapaz ou causa de família o Ministério Público tem que atuar sob pena de nulidade do processo – arts. 82 e 84 do CPC.
Agora, há alguma outra hipótese da pessoa com menos de 16 anos conseguir do juiz autorização para se casar?
R: Há um decreto, que é o Dec. 66.605/70, que entende-se ainda estar em vigor. É um decreto em que o Brasil adere a uma convenção internacional sobre casamento, e, no seu art. 2º, é dito que o juiz, quando houver um motivo relevante, pode autorizar o casamento de uma pessoa sem idade nupcial.
Então, se perguntarem se pessoa menor de 16 anos pode se casar, em princípio ela é incapaz para o casamento. Mas há exceções, pois essa presunção para a incapacidade é relativa. Quais são as exceções?
1ª Gravidez – art. 1520, CC/02;
2ª Para evitar imposição de pena criminal, que não existe mais, a não ser que se adote a posição do Leoni no sentido de que se for ato infracional, em se tratando de menor, poderá ser aplicado este dispositivo;
3ª O juiz aplicar o Decreto nº 66.605/70, a não ser que alguém ou o próprio juiz se convença de que o decreto não está mais em vigor (no código da saraiva está até hoje).
Agora, quando o juiz autoriza esse casamento, surge uma conseqüência patrimonial que é a prevista no art. 1641, III, ou seja, o casal não vai poder escolher o regime de bens, que será o da Separação Legal ou Obrigatória, por ser uma regra protetiva. É como se o juiz dissesse: “eu posso me enganar e se isso acontecer, pelo menos eu protejo a pessoa em relação ao patrimônio”.
Uma outra hipótese de incapacidade matrimonial, de uma pessoa que não pode se casar com ninguém é o Doente Mental Grave, aquele que antigamente se chamava de louco de todo gênero. O doente mental grave enquanto estiver nesta situação não pode se casar com ninguém, nem mesmo autorizado pelo curador, e o juiz não pode autorizar esse casamento. Aliais, se houver esse casamento, a lei diz que isso gera uma nulidade, nos termos do art. 1548, I. Tem que ser doente mental de maneira duradoura e grave. Se for aquele doente mental que tem apenas uma redução na sua capacidade, ele tem capacidade matrimonial, basta que ele seja autorizado pelo curador.

Suprimento Judicial de idade.

O suprimento de idade não dispensa o consentimento dos pais. Suprida a idade de um dos nubentes, ou de ambos, o casamento será realizado no regime da separação de bens (art. 1641, III, CC/02), comunicando-se, porém, os aqüestos provenientes do esforço comum, a teor do estatuído na súmula 377 do STF. No texto original do Projeto do NCC, era imposto aos nubentes, na hipótese em apreço o regime da separação de bens, “sem a comunhão de aqüestos”. Emenda apresentada na fase final de sua tramitação perante a Câmara dos Deputados suprimiu, porém, esta parte final, constando da respectiva justificativa que, “em se tratando de regime de separação de bens, os aqüestos provenientes do esforço comum devem se comunicar, em exegese que se afeiçoa à evolução do pensamento jurídico e repudia o enriquecimento sem causa, estando sumulada pelo STF (súmula 377)”.

Suprimento judicial do consentimento dos representantes legais.

O homem e a mulher com 16 anos podem casar, dispõe o art. 1.517 do CC/02, desde que obtenham “autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil”. Acrescenta o art. 1.519 do mesmo diploma que a “denegação do consentimento, quando injusta, pode ser suprida pelo juiz”.
Segundo preleciona Washington de Barros Monteiro, com esse dispositivo “procura o legislador dar remédio contra o despotismo dos pais tiranos ou caprichosos. Encontra-se aí, portanto, indispensável corretivo contra a prepotência paterna”.
O código não especifica os casos em que a denegação do consentimento deve ser considerada injusta. A matéria está entregue, pois, ao prudente critério do juiz, que verificará se a recusa paterna se funda em mero capricho ou em razões plausíveis e justificadas. Evidentemente, não são aceitas razões fundadas em preconceito racial ou religioso, no ciúme despropositado ou em outra razão menos nobre.
Se o pedido de suprimento do consentimento for deferido, será expedido alvará, a ser juntado no processo de habilitação, e o casamento celebrado no regime da separação de bens.
O procedimento para o suprimento judicial de consentimento dos representantes é o previsto para a jurisdição voluntária (art.1.103 e ss, do CPC). Para viabilizar o pedido, admite-se que o menor púbere outorgue procuração a advogado, sem assistência de seu representante legal, em razão da evidente colidência de interesses e por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária. Comumente, no entanto, o próprio representante do MP – que não se pode negar a legitimidade de parte, como defensor dos interesses dos incapazes – encarrega-se de requerer ao juiz a nomeação de advogado dativo para o menor. Da decisão proferida pelo juiz cabe recurso de apelação para a instância superior.

Procedimento para a habilitação

O processo de habilitação, como foi dito, tem a finalidade de comprovar que os nubentes preenchem os requisitos que a lei estabelece para o casamento. É por meio dele que as partes demonstram, com a apresentação dos documentos exigidos, estar em condições de convolar as justas núpcias.
Destina-se a aludida medida preventiva a constatar a capacidade para a realização do ato (art. 1.517 a 1.520), a inexistência de impedimentos matrimoniais (art. 1.521) ou de causa suspensiva (art. 1.523) e a dar publicidade, por meio de editais, à pretensão manifestada pelos noivos, convocando as pessoas que saibam de algum impedimento para que venham opô-lo.

Dos Documentos necessários:

O art. 1.525 do CC/02 dispõe que “o requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador” (primeira parte). Os noivos devem requerer a instauração do referido processo no cartório de seu domicílio. Se domiciliados em municípios ou distritos diversos processar-se-á o pedido perante o Cartório do Registro Civil de qualquer deles, mas o edital será publicado em ambos. Se forem analfabetos, o requerimento será assinado a rogo, com duas testemunhas. A Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) desenvolve as normas procedimentais de habilitação nos arts. 67 a 69.
O oficial afixará os proclamas em lugar ostensivo de seu cartório e fará publicá-los pela imprensa local se houver. Após a audiência do MP, que poderá requerer a juntada de documentos ou alguma outra providência, a habilitação será homologada pelo juiz (art. 1.526).O sistema de publicação de editais tem sido criticado, porque estes, notadamente nos grandes centros, não são lidos, como observa Antunes Varela.
Decorrido o prazo de 15 dias a contar da afixação do edital em cartório (e não da publicação na imprensa), o oficial entregará aos nubentes, certidão de que estão habilitados a se casar dentro de noventa dias, sob pena de perda da sua eficácia. Vencido esse prazo, que é decadencial, será necessária nova habilitação, porque pode ter surgido algum impedimento que inexistia antes da publicação dos proclamas.
Deverão ser apresentados os seguintes documentos:
I - certidão de nascimento ou documento equivalente: tem a finalidade de provar a idade mínima para o casamento, que é de 16 anos, ou a idade máxima para o regime legal de bens, que é a separação total no caso de pessoa maior que 60 anos, que já se decidiu, com efeito, que a referida restrição é incompatível com as cláusulas constitucionais de tutela da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica e da intimidade, bem como com a garantia do justo processo da lei, tomado na acepção substantiva (arts. 1º, III e 5º I, X e LIV);
II - autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estiverem, ou ato judicial que supra: é necessária a autorização do representante legal ou o suprimento judicial se a pessoa tiver entre 16 e 18 anos. No CC/16 bastava a autorização do cônjuge que tinha a guarda ou o suprimento legal.
Preceitua o art. 1.517 do CC/02 que, em caso de divergência entre os pais, aplica-se o disposto no parágrafo único do art. 1632, que assegura a qualquer dos genitores o direito de recorrer ao juiz para a solução do desacordo verificado no exercício do poder familiar. Tal regra é resultante da isonomia conjugal consagrada na atual Constituição Federal, colocando marido e mulher em pé de igualdade, não mais prevalecendo a vontade paterna. A solução deve ser dada pelo juiz competente.
O pródigo não figura no rol das pessoas impedidas de casar, nem o seu estado constitui causa suspensiva de anulabilidade do casamento, mesmo porque a sua interdição acarreta apenas incapacidade para cuidar de seus bens.
O CC/02 mudou a redação do dispositivo, exigindo autorização para casamento “das pessoas sob cuja dependência legal estiverem” (art. 1.525, II), sem alterar, no entanto, o seu sentido e alcance. Haja vista prescrever o art. 1.518 do referido diploma que podem os pais, tutores ou curadores revogar a anuência concedida até a celebração do casamento. Embora a dependência legal a que está sujeito o pródigo seja limitada à prática de atos que possam onerar o seu patrimônio, o casamento envolve um acervo de obrigações econômicas de acentuada importância, nas quais pode o pródigo comprometer a sua fortuna.
Para a lavratura do pacto antenupcial deverá o pródigo ser assistido por seu procurador, tendo em vista a possibilidade de tal ato acarretar a transferência de seu patrimônio ao cônjuge, conforme o regime de bens adotado.
O surdo-mudo só poderá casar validamente se receber educação adequada, que o habilite a enunciar sua vontade.
III - declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecê-los e afirmem não existir impedimento que os iniba de casar: a apresentação de tal documento te por finalidade completar e ratificar a identificação dos contraentes e reforçar a prova da inexistência de impedimentos para a realização do casamento.
O fato de constar do processo de habilitação a aludida declaração, não obsta à oposição de eventual impedimento, na forma da lei.
IV - declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos: o documento que recebe a denominação de memorial destina-se a uma perfeita identificação dos nubentes e deve ser assinado por eles. A declaração esclarecerá se os nubentes são maiores ou menores, solteiros, viúvos ou divorciados, devendo os viúvos informar se há filhos do primeiro casamento e os divorciados exibir certidão do registro da sentença, se o casamento deles foi anulado, onde e quando tal ocorreu. Devem, ainda, declarar se ambos tem domicílio na localidade ou se um deles reside em outra, o que terá influência na publicação dos proclamas.
V - certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento transitada em julgado ou do registro da sentença de divórcio. Não basta ser divorciado, deve haver a averbação da sentença de divórcio.
O art. 1523, III prevê que não devem se casar sob pena de aplicação do regime da separação obrigatória de bens, aqueles que estiverem divorciados e não houver a partilha dos bens sido feita. Se o divorciado quiser se casar sob outro regime de bens deverá ter feito a partilha de bens.
Com o NCC a partilha pode ser feita posteriormente ao divórcio, pois a CF só exigiu o lapso temporal para o divórcio, não exigiu a partilha, por isso, José Maria Leoni já entendia ser a feitura da partilha como condição para o divórcio inconstitucional.
Depois da apresentação de todos os documentos do processo de habilitação, há o prazo decadencial de 90 dias para se casar, na forma do art. 1532 do NCC.
Vale lembrar que o casamento é uma faculdade jurídica, não é direito nem dever.

5ª Aula - Impedimentos Matrimoniais e Causas Suspensivas

DOS IMPEDIMENTOS

Conceito e Espécies

Segundo Bevilácqua, os impedimentos matrimoniais são fatos que impedem o casamento de um dos nubentes com determinada pessoa, por razões sociais, morais ou eugênicas e estão previstas no NCC no art. 1521, I a VII, impedindo o casamento apenas entre algumas pessoas que se relacionam pelo parentesco ou por outros laços familiares.

O impedimento matrimonial é um fato que impede uma pessoa de se casar com determinada pessoa, por laços de parentesco etc.

Agora, você pode ser simplesmente incapaz para o casamento. Se você for incapaz para o casamento, não tem aptidão para se casar com ninguém, ao menos enquanto permanecer aquela situação jurídica (lembrar do doente mental permanente e do menor de 16 anos).
Tanto na incapacidade quanto na presença de impedimento, o juiz não deve autorizar o casamento. No entanto, se ele autorizar vai gerar a conseqüência jurídica da invalidade.
Questão: Qual é a conseqüência de existir o impedimento e ninguém detectar na habilitação, e ocorrer o casamento?
R: A existência de impedimento não detectada na habilitação, pelo juiz, promotor, etc, gera a nulidade do casamento por infringência de impedimento, nos termos do que dispõe o art. 1548, II.
Questão: Quem pode opor esses impedimentos?
R: O art. 1529 traz uma novidade, ele diz que os impedimentos devem ser opostos hoje, por declaração escrita e assinada. O art. 1522 diz que qualquer pessoa capaz, qualquer do povo pode opor o impedimento até o memento da celebração (Arts. 1529 c/c 1522 e p. ún.). Portanto podem opor impedimento o juiz da habilitação, o oficial da habilitação, o MP, que se souber tem o dever de opor impedimento e qualquer pessoa capaz, desde que por escrito e assinado. O impedimento pode ser oposto durante a habilitação e mesmo depois, antes da celebração.
Questão: Qual é a conseqüência de opor impedimento com culpa ou dolo e não conseguir comprovar depois?
R: Uma baita indenização com perdas e danos, além de sanções criminais – art. 1530, p. ún. c/c 186 do CC.
Passou pela habilitação e ninguém percebeu o impedimento, a incapacidade, não impede uma futura ação de nulidade. Portanto, você é promotor, detectou o impedimento, o juiz decide pela nulidade. No entanto, tudo vai depender de uma ação de nulidade de casamento.

Mudança que houve no código novo em relação aos impedimentos:

Os impedimentos no código de 1916 eram:

• Impedimentos dirimentes públicos, que conduziam a nulidade do casamento.
• Impedimentos dirimentes privados, que geravam a anulabilidade do casamento.
• Impedimentos impedientes, estes, caso fossem detectados na habilitação, impediam o casamento, porém se houvesse o casamento, este matrimônio não seria nulo nem anulável, ocorrendo apenas a imposição de penas aos nubentes, especialmente de natureza patrimonial (ex.: regime da separação de bens).

No novo código impedimentos são expressos da seguinte forma:

• No novo código existe uma expressão única denominada impedimentos, que geram a nulidade do casamento.
As pessoas do art. 1521 que estão impedidas para o casamento, também estão impedidas para a união estável (isso porque se elas vierem a se casar, o casamento é nulo, logo não há como converter a união estável em casamento), mas tem duas exceções: a do casado separado de fato ou separado judicialmente.
• Não existe mais os dirimentes privados, esta denominação deu lugar às chamadas causas de anulabilidade do casamento.
Quando o casamento é anulável, isso deve ser discutido em ação própria de anulabilidade de casamento e essa sentença tem natureza constitutiva. O prazo é decadencial. O MP tem que obrigatoriamente atuar como custos legis. É ação de estado.
Como diferenciar se um prazo é de prescrição ou decadência?
R: Pela natureza da sentença. Isso é uma tese, que pode ser usada em qualquer ramo do direito.

• Os impedimentos impedientes agora são denominados de causas suspensivas do casamento, que impedem, também, o casamento, mas caso ocorra, este não será considerado nulo nem anulável, aplicando somente penas aos nubentes.
Impedimentos resultantes do parentesco:

1- Consangüinidade: dispõe o art. 1.521 do CC/02 que não podem se casar: “I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil (...); IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive”. A proibição do casamento de ascendentes e descendentes abrange todos os parentes em linha reta ad infinitum, ou seja, sem limitação de graus. As relações sexuais entre parentes por consangüinidade caracterizam incesto, e o Código Civil não admite núpcias incestuosas, uma vez que o casamento entre parentes consangüíneos próximos pode provocar o nascimento de filhos defeituosos. O impedimento revela preocupação de natureza eugênica.
Não importa, para a caracterização do impedimento, se se trata de descendente havido do matrimônio ou não. Não podem se casar, efetivamente, o ascendente com o descendente seja a relação oriunda de casamento, de união estável, de concubinato ou de relacionamentos esporádicos.
No que toca ao parentesco civil, existente entre o adotante e o adotado, a regra é a mesma, haja vista a adoção imitar a família (art. 1593).
Quanto aos irmãos, estes são parentes colaterais de 2º grau, posto que descendem de um tronco comum, e não um do outro. O impedimento alcança os irmãos havidos ou não de casamento, sejam unilaterais (quando do mesmo pai e mesma mãe) ou bilaterais (só do pai ou só da mãe, também denominados germanos). As mesmas razões de ordem moral desaconselham também o casamento de parentes próximos, na linha colateral.
Tios e sobrinhos são colaterais de terceiro grau impedidos de casar, no entanto, há o Decreto-lei nº 3.200/41 que permitiu tal casamento, desde que se submetessem ao exame pré-nupcial realizado por dois médicos nomeados pelo juiz e o resultado lhes fosse favorável, conforme art. 2º do referido decreto-lei. Se houver divergência entre os médicos, deve o juiz nomear um terceiro desempatador, ou, optar por nomear nova junta médica, para a realização de outro exame, usando por analogia a Lei nº 5891/73, que altera normas sobre exame médico na habilitação de casamento entre colaterais de terceiro grau.
Contudo, o legislador de 2002 não se referiu a situação regulamentada pelo Decreto-lei nº 3.200/41, que abria uma exceção à proibição legal do casamento entre tio e sobrinha. Todavia, inobstante tal omissão, prevalece o princípio da especialidade da norma, mantendo-se íntegra a regra do referido decreto-lei.
Os primos, não são atingidos pela restrição e podem se casar sem nenhum problema, porque são colaterais de quarto grau.

2- Afinidade: Prescreve o art. 1.521, II, que não podem se casar “os afins em linha reta”. O parentesco por afinidade é aquele que liga os parentes de um cônjuge ou companheiro aos parentes do outro, conforme art. 1.595. A proibição refere-se apenas a linha reta, ou seja, dissolvido o casamento ou a união estável, não pode o viúvo se casar com a enteada, nem com a sogra – art. 1592 §2º. Entretanto, a afinidade na linha colateral não constitui restrição ao casamento.
Cumpre ressaltar, que a afinidade não vai além da pessoa do cônjuge. E, como bem assinala José Lamartine Corrêa de Oliveira “os tios da minha mulher são meus tios por afinidade, ba linha colateral, mas não tios do meu irmão. Um homem pode casar-se com a enteada de seu irmão, ou com a sogra de seu filho. De outro lado, a afinidade subsiste (por ser na linha reta) entre uma pessoa e os parentes de seu falecido cônjuge ou de seu ex-cônjuge, de que se tenha divorciado, não se estende ao novo cônjuge. Os afins de um cônjuge não são afins do outro, adfines inter se non sunt adfines: o marido da irmã e a mulher do irmão, nada são entre si”.
Faz-se mister a concomitância de dois fatores da afinidade para que se configure o impedimento: o parentesco e o casamento ou companheirismo.
Não se configura o impedimento para o casamento dos afins se a união que deu origem à afinidade é declarada nula ou venha a anular-se.

2- Adoção: A razão da proibição é de ordem moral, considerando o respeito e a confiança que devem reinar no seio da família, uma vez que como já mencionado anteriormente, a adoção imita a família.
A adoção no Código Civil de 2002 é concedida por sentença constitutiva (art. 1.623, p.ún.), sendo, portanto, irretratável. O impedimento, em conseqüência é perpétuo.

Impedimento resultante de casamento anterior

Este impedimento procura combater a poligamia e prestigiar a monogamia, sistema que vigora nos países em que predomina a civilização cristã. O impedimento só desaparece após a dissolução do anterior vínculo matrimonial pela morte, invalidade, divórcio ou morte presumida dos ausentes, conforme art. 1571, §1º.
O CC/02 acrescentou, como causa de dissolução de casamento válido, “a presunção estabelecida neste código quanto ao ausente” (art. 1.571, § 1º). O art. 6º do aludido diploma presume a morte do ausente “nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucessão definitiva” e o art. 7º possibilita a declaração da “morte presumida sem decretação de ausência”, nos casos nele especificados. Os arts. 37 e 38, por sua vez, autorizam a abertura da sucessão definitiva do ausente “dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória”, e, também, “provando-se que o ausente conta com mais de oitenta anos de idade e de cinco contam as últimas notícias dele”.
A infração do impedimento em apreço acarreta a nulidade do segundo casamento, respondendo, ainda o infrator pelo crime de bigamia, punido com pena que varia de dois a seis anos de reclusão. Nesse sentido, ver TJSC, Ap. 41.602, 2ª Câm. Cív. Rel. Dês. Renato Melillo.
O casamento religioso de um ou de ambos os cônjuges, que ainda não foi registrado no registro civil, não constitui impedimento para a celebração do casamento civil, tendo em vista que na esfera jurídica, não é nulo nem anulável, mas inexistente. Também não obsta a aquisição dos efeitos civis por meio de um segundo casamento religioso.
O CC/02 manteve a exigência de processo para a proclamação de nulidade e anulabilidade do casamento, supondo a sentença modificativa do status (art. 1.561 a 1.563).
Para Pontes de Mirada, a anulação do casamento “produz efeitos iguais à decretação da nulidade, salvo onde a lei civil abriu explícita exceção”, como no caso de casamento putativo, previsto no art. 1.561 do novo diploma.
Nessa mesma linha, enfatiza José Lamartine Corrêa de Oliveira que, caso venha o primeiro casamento, em data posterior a da celebração do segundo casamento a ser declarado nulo, ou anulado, sem que se lhe reconheça o caráter putativo, daí decorrerá, dada a eficácia retroativa da nulidade ou anulação do primeiro casamento, ser válido o segundo casamento, por força de verdadeira remoção da causa originária de invalidade. Ajuizada eventualmente, aduz o mestre, “a ação de nulidade do segundo casamento (com fundamento na bigamia), pode ser suscitada nos autos a existência, em tramitação, de ação de nulidade ou anulação do primeiro casamento, por depender a sentença de mérito do julgamento da ação de nulidade ou anulação do primeiro – art. 265, IV, a”.







Impedimento decorrente de crime

Dispõe, por fim, o art. 1.521 do CC que não podem casar: “VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte”. Trata-se de impedimentun criminis.
Embora o dispositivo não tenha feito nenhuma distinção, só se aplica para crimes dolosos (art. 18, I, CP), como é da tradição do nosso direito.
A ratio do impedimento assenta em juízo ético de provocação, que não incide nos casos de simples culpa. Pela mesma razão, ou seja, por não ter havido intenção de matar, não alcança o impedimento, o caso de homicídio preterintencional (dolo no antecedente e culpa no conseqüente).
A inspiração do impedimento é de ordem moral. Exige-se, portanto, que tenha havido condenação. Se ocorreu absolvição ou o crime prescreveu, extinguindo-se a punibilidade, não se configura o impedimento. Tendo, porém, havido condenação, não o fazem desaparecer a prescrição da pretensão executória, a reabilitação, a anistia, a graça ou o perdão.
O CC/02 não considera impedimento o fato de existir inquérito policial em andamento para a apuração de homicídio ou da tentativa de homicídio, ou mesmo processo penal. Torna-se necessária a condenação do autor ou mandante do crime para que subsista o impedimento matrimonial.

Das Causas Suspensivas

Os impedimentos impedientes do antigo código, hoje denominados de causas suspensivas do casamento, são aquelas situações jurídicas que se forem percebidas por ocasião da habilitação e antes da celebração impedem, por razões éticas, patrimoniais e morais, a realização do matrimônio, porém se o casamento se realizar sem esta percepção, não será considerado nem nulo nem anulável, e as sanções daí decorrentes serão especialmente patrimoniais.
Na linguagem do Código, não devem casar as pessoas enquadradas naquelas situações, o que significa um comando de restrição menor que o impeditivo.

Análise do art. 1.523 e seus incisos.

Não devem casar:

Confusão Patrimonial.

I – o viúvo ou viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

Aqui o legislador não quer que haja casamento de um viúvo ou de uma viúva que tenha filho do leito anterior enquanto não tiver havido inventário judicial do falecido com partilha aos herdeiros deste, a fim de se evitar a confusão patrimonial que daí pode derivar. No entanto, o parágrafo único deste artigo admite o casamento se na habilitação ficar comprovado a inexistência de prejuízo para os herdeiros ou ex-cônjuges, especialmente quando o inventário for negativo. Contudo, se a causa suspensiva aqui mencionada não for percebida e ocorrer o casamento, a pena imposta pelo legislador é a obrigatoriedade da adoção do regime da separação legal de bens (vide art. 1.641, I), que vai se sobrepor ao regime de bens escolhido pelos nubentes. Assim, digamos que houve um casamento onde estivesse presente uma causa suspensiva, note que não haverá nenhuma nulidade ou anulabilidade aqui, porém o regime de bens escolhido pelos nubentes, como por exemplo, o da comunhão universal, será desprezado nesta hipótese, pois a lei aplica uma pena no sentido de que o regime obrigatoriamente será o da separação obrigatória.

Confusão de Sangue – Turbatio Sanguinis.

II – a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até 10 meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

Este inciso diz que uma viúva ou uma mulher cujo casamento foi invalidado, não deve casar até 10 meses depois da morte do marido ou do trânsito em julgado da sentença de invalidade, isto porque, para a medicina o prazo máximo de gestação da mulher é de 10 meses, visando o legislador com isso evitar a turbatio sanguinis, ou seja, a confusão de sangue, a dúvida sobre a paternidade de um eventual descendente desta mulher (Quem é o pai? O ex-cônjuge? O morto? Ou o cônjuge atual?). Note que no inciso I deste artigo o fundamento da causa suspensiva é para se evitar a confusão de patrimônio, já neste inciso o fundamento é para se evitar a confusão de sangue. O parágrafo único deste artigo permite o casamento se a nubente provar o nascimento de filho ou inexistência de gravidez na fluência do prazo.
Deve-se ressaltar que a pena, caso não seja observado o mandamento deste inciso, será que o regime de bens adotado neste caso deverá ser, obrigatoriamente, o da separação legal ou obrigatória.

Divórcio.

III – o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

Aqui também se evita a confusão de patrimônio. O parágrafo único deste artigo permite o casamento, desde que seja feita a prova da inexistência de prejuízo para o ex-cônjuge. Se o casamento ocorrer sem esta prova, a pena é a mesma vista anteriormente, ou seja, o regime será necessariamente o da separação legal ou obrigatória.

Tutela e Curatela.

IV – o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

Aqui, evita-se o casamento por interesse de um tutor ou curador que conhece o patrimônio do pupilo ou curatelado e tem influência na sua vontade, salvo, nos termos do parágrafo único deste artigo, se na habilitação ficar provada a inexistência de prejuízo para o pupilo ou curatelado, caso contrário, se houver casamento, o regime será o da separação de bens.

Qual a diferença entre tutela e curatela?
R: Ambas são consideradas um poder dever jurídico, um munus público. No entanto, tutela é um poder dever jurídico que se estabelece em relação a um menor, cujos pais faleceram ou decaíram do poder familiar. Portanto, a tutela é destinada aos incapazes por idade, como modo de cuidar, representar, inclusive gera responsabilidade civil, atualmente objetiva. Já a curatela, em regra, é um munus público em que a lei concede um curador para representar, assistir, administrar, cuidar, de um incapaz maior de idade, seja ele absolutamente incapaz ou relativamente incapaz. Contudo, excepcionalmente, um relativamente incapaz por idade (menor de 18 anos e maior de 16) pode ser posto sob curatela, na hipótese deste possuir um problema mental grave que o torna absolutamente incapaz. Assim, é possível ser requerida a interdição de uma pessoa que é relativamente incapaz por idade, por ser esta absolutamente incapaz devido as suas condições mentais. Exemplo: adolescente de 17 anos com debilidade mental, e por isso não possui discernimento para os atos da vida civil. Observe que a curatela neste caso é por problemas mentais e não por causa da idade. Há, também, como exceção à regra, a curatela do nascituro.
Deve-se ressaltar que haverá uma hipótese onde nunca será possível existir o casamento entre o curador e o curatelado, que seria o caso deste último ser um absolutamente incapaz, por exemplo, um louco, pois o casamento aqui seria nulo. O louco interditado ou não é impedido de se casar em qualquer hipótese, pois há uma ausência de discernimento para o matrimônio, ou seja, não há capacidade matrimonial. Agora, se o curatelado for um relativamente incapaz, e por isso tendo discernimento para o casamento, haverá possibilidade de se realizar o matrimônio.

Observações finais.

Justifica-se a previsão específica de causa suspensiva de casamento para o divórcio enquanto não efetuada a partilha dos bens do casal por similitude com a hipótese de viuvez. De outra parte, andou bem o legislador em não ter previsto a situação da mulher divorciada no impedimento regulado no art. 1.523, inciso II, uma vez que o prazo de dez meses é superado pelo tempo exigido para o divórcio.
Não consta do Código a vedação de casamento entre juiz, o escrivão e seus parentes com órfão ou viúva de sua circunscrição, que o Código de 1996 mencionava, com exagerada cautela, no inciso XVI do art. 183.
A argüição das causas suspensivas de celebração do matrimônio só se permite aos parentes em linha reta e aos colaterais em segundo grau de um dos nubentes, sejam consangüíneos ou afins (art. 1.524). Deve ser feita por escrito e com as provas do fato alegado (art. 1.529), no curso do processo de habilitação.
Como conseqüência penalizadora do casamento celebrado com infração às referidas causas suspensivas, o Código Civil prevê, no capítulo do regime de bens, que se torna obrigatório o regime da separação (art. 1.641, II). Havia disposição similar no Código de 1916, a impor regime de separação obrigatória de bens no casamento com certos impedimentos (arts. 226 e 258, p. ún. I), além de outras penalidades que não constam do novo ordenamento.

Inexistem outros impedimentos e outras causas de suspensão do casamento, além dos elencados pelo estatuto civil. Não são, assim, considerados outros fatos ou circunstâncias, como o alcoolismo, a dependência de substâncias tóxicas e certas doenças, como sucede em alguns países, nem a diversidade de crenças ou de raça dos contraentes.
Anote-se que o art. 7º, § 1º, da Lei de introdução ao Código Civil – LICC - dispõe que, “realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração”. Assim, quanto às causas suspensivas, levar-se-á em conta o estatuto pessoal. Não se aplicará, por exemplo, a sanção do art. 1.641, I, do CC/02, que impõe o regime da separação de bens, a cônjuge estrangeiro, em cuja lei nacional inexista semelhante penalidade.

DA OPOSIÇÃO DO IMPEDIMENTO E DAS CAUSAS SUSPENSIVAS

Da Oposição dos Impedimentos

A oposição de impedimento é a sua comunicação escrita feita por pessoa legitimada, antes da celebração do casamento, ao juiz que preside a solenidade, sobre a existência de um dos empecilhos mencionados na lei.

Pessoas Legitimadas:
A legitimidade para a oposição dos impedimentos rege-se pelo disposto no art. 1.522 do CC/02, que assim dispõe:

“Os impedimentos podem ser opostos, até o momento da celebração do casamento, por qualquer pessoa capaz”.

Parágrafo único. Se o juiz, ou o oficial de registro, tiver conhecimento da existência de algum impedimento, será obrigado a declará-lo”.

Razões de ordem pública, dirigidas especialmente à proteção da família ditaram a sua previsão e enumeração. Por essa razão é amplo o campo de titularidade para a sua argüição. A lei autoriza, com efeito, qualquer pessoa a denunciar o obstáculo ao casamento de que tenha conhecimento, ainda que não comprove interesse específico no caso.
A oposição, não necessita de provocação, pois o juiz, ou o oficial de registro, que tenha conhecimento da existência de algum impedimento, será obrigado a declara-lo ex officio. Esse dever, no entanto, não se estende a habilitação ou casamento realizados em outro cartório.
O CC/02 não prevê pena de multa para o oficial do registro e o juiz, por não declararem de oficio os impedimentos que conhecerem, como fazia o CC/16 nos art. 227, III e 228, III. Mas o não cumprimento desse dever pode acarretar-lhes não só sanções de natureza administrativa, como também de natureza indenizatória, uma vez que um casamento anulado por conta de impedimento não conhecido e declarado de ofício pode dar ensejo a grave dano de natureza moral.
A oposição de impedimento, ou a sua declaração de ofício susta a realização do casamento até o final da decisão. Se, malgrado o impedimento, o casamento se realizar, poderá ser decretada a sua nulidade, a qualquer tempo, por iniciativa de qualquer interessado ou do Ministério Público (art. 1.549, CC/02).

Momento da oposição de impedimentos.
Por serem graves os obstáculos impostos no interesse da própria sociedade, os respectivos impedimentos podem ser ofertados a qualquer momento, somente cessando a oportunidade com a cerimônia do casamento. A publicidade decorrente dos proclamas tem justamente a finalidade de dar conhecimento da pretensão dos noivos de se unirem, para que qualquer pessoa capaz possa informar o oficial do cartório ou o celebrante da existência de algum impedimento legal.
Portanto, até o momento da celebração, há a possibilidade de se apontar o impedimento.

Forma da oposição.
Deve, a oposição ser fundada em elementos que demonstrem a sua veracidade, apresentados desde logo pelo opoente. Não se admite oposição anônima.
Preceitua, com efeito, o art. 1.529 do CC/02 que os impedimentos “serão opostos em declaração escrita e assinada, instruída com as provas do fato alegado, ou com a indicação do lugar onde possam ser obtidas”. Acrescenta o art. 1530 que o oficial do registro civil “dará aos nubentes ou a seus representantes nota da oposição, indicando os fundamentos, as provas e o nome de quem a ofereceu”.
Por outro lado, aos nubentes é assegurado o direito de “requerer prazo razoável para fazer prova contrária aos fatos alegados e promover as ações civis e criminais contra o opoente de má-fé” (art. 1.530, p.ún., do CC/02).
O procedimento para oposição dos impedimentos é sumário e complementado pelo art. 67, § 5º, da Lei dos Registros Públicos (lei nº 6.015/73). Os autos serão remetidos ao juízo competente com as provas já apresentadas ou com a indicação do lugar onde possam ser obtidas. O juiz designará audiência, se houver necessidade de ouvir testemunhas indicadas pelo impugnante e pelos nubentes, e, após a oitiva dos interessados e do MP, decidirá no prazo de cinco dias, cabendo a interposição do recurso de apelação tanto por parte dos interessados como por parte do MP oficiante.
Em caso de má-fé, que é o comportamento doloso, malicioso do impugnante, mas que pode advir também de negligência e da imprudência, caberá reparação dos danos (morais e patrimoniais), reparação esta, que não tem lugar pelo só fato da improcedência da oposição; é necessário que se apure a má-fé do opoente, o abuso que o inspirou, ou ao menos a culpa no seu comportamento.
Cumpridas as formalidades dos arts. 1.526 e 1.527 do CC/02 e considerados aptos os nubentes ao casamento, lavrará o oficial certidão nesse sentido nos autos da habilitação e extrairá o respectivo certificado. A partir dessa data começará a fluir o prazo de noventa dias para contraírem o casamento. Este prazo é decadencial. Decorrido in albis, perderá o efeito a habilitação, havendo necessidade de sua repetição caso persista a intenção dos nubentes de realizar o casamento (art. 1.531 e 1.532, do CC/02).

Da oposição das causas suspensivas.

Causas suspensivas são circunstâncias ou situações capazes de suspender a realização do casamento, quando opostas tempestivamente, mas que não provocam, quando infringidas, a sua nulidade ou anulabilidade, como já foi dito. Correspondem aos impedimentos impedientes ou proibitivos do art. 183, XIII a XVI, do CC/16. O CC/02 incluiu entre as causas suspensivas a que estipula não dever o divorciado casar-se enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do anterior casamento.

Pessoas legitimadas.

O art. 1.524 do CC/02 enumera as pessoas que podem argüir as causas suspensivas, estabelecendo que podem ser opostas pelos “parentes em linha reta de um dos nubentes, sejam consangüíneos ou afins, e pelos colaterais em segundo grau, sejam também consangüíneos ou afins”.
Diferentemente, pois, do que sucede com os impedimentos, que podem ser apresentados por qualquer pessoa capaz, é restrito o elenco de pessoas que podem articular as causas suspensivas. Somente podem faze-lo os parentes em linha reta de um dos nubentes (pais, avós, sogros) e os irmãos e cunhados. Nem mesmo o MP está autorizado a tomar essa providência. A diferença de tratamento reside no fato de que os impedimentos são previstos em normas de ordem pública, cuja observância atende aos interesses da própria sociedade, ao passo que as causas suspensivas interessam apenas à família e eventualmente a terceiros. Podem, por isso, deixar de ser aplicadas pelo juiz, provando-se a inexistência de prejuízo para as pessoas que a lei visa proteger (art. 1.523 e p. ún., do CC/02).
Constitui inovação do CC/02 a inclusão dos cunhados dos nubentes, que durante a vigência do casamento são parentes por afinidade em segundo grau, entre as pessoas legitimadas a opor as causas suspensivas.

Momento da oposição.

Diversamente dos impedimentos que podem ser opostos no processo de habilitação e “até o momento da celebração, por qualquer pessoa capaz” (art. 1.522, CC/02), as causas suspensivas devem ser articuladas no curso do processo de habilitação, até o decurso de quinze dias da publicação dos proclamas.
Salienta Caio Mário, no tocante à oportunidade da oposição das causas suspensivas, que esta se liga particularmente, ao processo de habilitação: anunciadas as núpcias pala publicação dos proclamas, abre-se o prazo de quinze dias, dentro do qual os interessados podem objetar contra o casamento.
A suspensão do casamento só tem lugar, se a causa que a admite é oposta tempestivamente por algum dos legitimados, ou seja, dentro do prazo de quinze dias da publicação dos editais. Se o casamento se realizar a despeito da causa suspensiva, será válido, mas os nubentes sofrerão as sanções determinadas.

Forma da oposição.

Seguindo a mesma orientação traçada para os impedimentos, prescreve o art. 1.529 do CC/02 que as causas suspensivas serão opostas “em declaração escrita e assinada, instruída com as provas do fato alegado, ou com indicação do lugar onde possam ser obtidas”.
Incumbe ao oficial dar ciência da impugnação dos nubentes, fornecendo inclusive o nome de quem a apresentou, a teor do art. 1.530, CC/02: “O oficial do registro dará aos nubentes ou a seus representantes nota da oposição, indicando os fundamentos, as provas e o nome de quem a ofereceu”. A eles é permitido requerer a concessão de prazo razoável para fazer prova contrária aos fatos alegados, “e promover as ações civis e criminais contra o opoente de má-fé” (parágrafo único).
Dispõe, ainda, o art. 1.531 do CC/02 que, cumpridas as formalidades relativas à habilitação (arts. 1.526 e 1.527) e verificada a inexistência de fato obstativo, “o oficial do registro extrairá o certificado de habilitação”.

1ª, 2ª, 3ª e 4ª Aulas - Direito de Família

Conceito de Direito de Família: É o ramo do direito civil que estuda o grupo social denominado família através do estudo do casamento, da união estável, dos outros modos de família estampados na CF/88 e no CC/02 e, também, na legislação extravagante, devendo o pesquisador se concentrar igualmente nas relações de parentesco e nos modos de colocação da família substituta, adoção, guarda e responsabilidade do ECA, a tutela e para alguns a curatela.

O direito de família é Direito PRIVADO, embora haja uma construção constitucional, já que nele estão inseridos os princípios constitucionais fundamentais, que são:

1. Art. 1º III – Dignidade da Pessoa Humana;
2. Art. 3º, I – Solidariedade Familiar social e familiar (virou moda no IBDEFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família);
3. Art. 3º, IV – Princípio da Não-descriminação;
4. Art. 5º, caput - Igualdade substancial.

Embora seja um ramo do Direito Privado, mas que tenha uma disciplina Constitucional e uma disciplina infracosntitucional, nós não podemos esquecer que o Dir. de Família e o Direito Sucessório estão eivados de inúmeras regras imperativas ou de ordem pública. O que é uma regra imperativa ou de ordem pública? É aquela que não pode ser afastada pela vontade dos particulares. No Dir. de família 90% das regras são de ordem pública e 10% de regras dispositivas ou supletivas que são aplicadas quando o particular não dispõe ao contrário. A família, portanto é o núcleo social fundamental e o Estado tem muito interesse em discipliná-la, então ele impõe regras imperativas de ordem pública, tanto no direito de família como no direito sucessório.
O Direito de família tem um forte acento constitucional, tem disciplina no CC e também em legislação extravagante, porém, é ramo do direito privado e recheado de regras de ordem pública e sempre deve obedecer aos Princípios da Constituição Federal.

Evolução Histórica da Família

O Direito de Família, ou a noção de Direito de família no Direito Romano antigo passa pela origem etimológica da palavra família. Há várias origens, mas a preferida do direito romano antigo é a expressão fâmulo (servo, escravo). Por que essa expressão seria a origem desse grupo familiar? Porque a família no direito romano, especialmente nos primórdios do direito romano, como foi fundado sete séculos antes de Cristo e de 2000 artigos do nosso CC, pelo menos 1500 derivam do direito romano, a família era um grupo formado por mais ou menos 300 pessoas que ficavam sob o poder do pater famílias que era aquela pessoa mais antiga daquele grupo que usava seu poder absoluto, podendo, inclusive, determinar a morte dos membros da família e era, ainda, titular de todas as relações patrimoniais do grupo. Quem tinha patrimônio era a comunidade, mas representada pelo pater famílias.
A noção de parentesco, em Raman, se dividia em duas: o parentesco cognatício (parente não de sangue) e o agnatício (parente de sangue). No início qualquer pessoa, parente de sangue ou não, que ficava sob o jugo do pater (inclusive as mulheres que se casavam com os membros da família), era considerada parente. Então, o que predominava no início era o parentesco que não era de sangue, que é o parentesco cognatício (ex.: você estava vinculado a família Júlia, tinha o pater que detinha todo o poder, inclusive o de vida ou morte).O parentesco de sangue só surgiu com toda força no ano de 1500, com o Imperador Justiniano, que é o parentesco agnatício.
Hoje em dia se fala muito na filiação sócio-afetiva, ou seja, o parentesco que não depende do laço de sangue e isso é um retorno da família cognatícia. Hoje a noção de filiação não é mais uma noção biológica e sim de afetividade, é a noção moderna de família.
A família em Roma ensejava numa família numerosa com a influência da igreja dizendo que a única forma de constituição de família era o casamento e proibia o divórcio, por ser o casamento uma forma de sacramento, ou seja, o que Deus uniu o homem não pode separar. O CC/16 veio com toda uma inspiração Romana e religiosa, mesmo o Estado tendo se separado da Igreja, por ocasião da Proclamação da República. A única família admitida era a formada pelo casamento religioso, não se admitindo o divórcio.
O casamento se torna um sacramento e se torna indissolúvel e, na idade média, como predominava o Cristianismo, era o único casamento que se permitia (o religioso). Em Roma, dois fatores fundamentais interessavam para manter o casamento, que era a affectio maritalis, o amor entre o casal, a afeição entre marido e mulher e o outro fator era o que os romanos chamavam de a honra do matrimônio. Publicamente você respeitava aquela outra pessoa, não interessava o modo como ele foi formado, o que interessa é a afeição entre os cônjuges e o respeito público entre eles.

Família no CC/16
A família no CC/16 era uma família bem mais resumida do que a família romana, porém, embora limitada aos cônjuges, aos filhos e aos parentes próximos, ainda muito influenciada pelo direito romano, um só tipo de família era admitida, que era a família formada pelo casamento, tendo um chefe, que era o marido, o provedor da família, aquele que tomava as decisões familiares, com desigualdade de direitos entre os cônjuges (a mulher foi considerada incapaz até 1962 quando então surgiu o estatuto da mulher casada); com desigualdade entre os filhos (os únicos filhos que possuíam todos os direitos no CC/16 eram os filhos advindos do casamento) e a preocupação máxima do legislador não era o desenvolvimento dos membros da família e sim a manutenção da família a qualquer preço, por ser a família, a célula máter da sociedade.
O que o legislador admitia era a separação judicial, que não rompe o vínculo matrimonial, mas tão somente a sociedade conjugal. É erro técnico dizer que o separado judicialmente não é mais cônjuge, na verdade ele ainda é casado, o que ele não tem mais é sociedade conjugal, os direitos e deveres, familiares, oriundos do casamento, tanto é, que os separados judicialmente não podem se casar novamente sob pena de incorrer no crime de bigamia e o segundo casamento neste caso é nulo.

Características do CC/16: Patriarcal, Rural, com Desigualdade de direitos entre os seus membros, o Homem como chefe exclusivo da sociedade conjugal e a Mulher como simples colaboradora doméstica do marido.
Vem a CF/88 (chamada de Constituição redentora) e insere na família os Princípios constitucionais (já mencionados) e traz dois princípios que são:
1. Igualdade de Direitos entre homem e mulher, previsto no art. 5º, I;
2. Igualdade de Direitos entre Marido e Mulher, art. 226, §5º e, em relação aos filhos, art. 227, §6º, Igualdade de direitos entre filhos de qualquer origem.
A igualdade plena entre filhos de qualquer origem é superior a igualdade entre homem e mulher, por um detalhe muito simples, a CF/88 no seu art. 227, §6º além de dizer que os filhos de qualquer origem devem ter igualdade de direitos, ela proíbe a discriminação, proíbe qualquer documento público que contenha, por exemplo, a origem da filiação (adulterino, incestuoso etc). Então, essa igualdade é superior a igualdade entre marido e mulher.

A Família na CF/88
Em 88, por conta da igualdade de direitos, surgem vários tipos de família, e que evidentemente influenciaram o novo Código Civil, que teve que se adequar a Constituição. A Família se expande, com a entrada em vigor da CF/88 e surgem novos tipos de família, inicialmente nos termos do art. 226 e seu parágrafos.

A Família no CC/16
O novo diploma amplia o conceito de família, com a regulamentação da união estável como entidade familiar; revê os preceitos pertinentes à contestação, pelo marido, da legitimidade do filho nascido de sua mulher, ajustando-se a jurisprudência dominante; reafirma a igualdade entra os filhos em direitos e qualificações, como consignado na Constituição Federal; atenua o princípio da imutabilidade do regime de bens no casamento; limita o parentesco na linha colateral, até o quarto grau, por ser este o limite estabelecido para o direito sucessório; introduz novo regime de bens, em substituição ao regime dotal, denominado regime de participação final nos aqüestos; confere nova disciplina à matéria de inviabilidade do casamento, que corresponde melhor a natureza das coisas; introduz nova disciplina do instituto da adoção, compreendendo tanto a de crianças e adolescentes como a de maiores, exigindo procedimento judicial em ambos os casos; regula a dissolução da sociedade conjugal, revogando tacitamente as normas de caráter material da Lei do Divórcio, mantidas, porém, as procedimentais; disciplina a prestação de alimentos segundo ma nova visão, abandonando o rígido critério da mera garantia dos meios de subsistência; matem a instituição do bem de família e procede a uma revisão das normas concernentes à tutela e à curatela, acrescentando a hipótese de curatela do enfermo ou portador de deficiência, dentre outras alterações.
Frise-se, por fim, que as alterações pertinentes ao direito de família advindas da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, demonstram e ressaltam a função social da família no direito brasileiro, a partir especialmente da proclamação da igualdade absoluta dos cônjuges e dos filhos; da disciplina concernente à guarda, manutenção e educação da prole, com atribuição de poder ao juiz para decidir sempre no interesse desta e determinar a guarda a quem revelar melhores condições de exercê-la, bem como para suspender ou destituir os pais do poder familiar, quando faltarem aos deveres a ele inerentes; do reconhecimento do direito a alimentos, inclusive aos companheiros e da observância das circunstâncias socioeconômicas em que se encontrarem os interessados; da obrigação imposta a ambos os cônjuges, separados judicialmente de contribuírem na proporção de seus recursos, para a manutenção dos filhos etc.

Tipos de Família no Direito Brasileiro

1º CASAMENTO - é a união de direito entre o homem e a mulher, cuja formação é solene, com toda pompa, precedida de habilitação, a cerimônia de casamento tem intervenção do Estado através do Juiz de Casamento, o seu conteúdo é regido por regras imperativas ou de ordem pública. No casamento, os nubentes procuram estabelecer uma comunhão de vida íntima com caráter de permanência, porém não sendo mais o vínculo indissolúvel em vida dos nubentes, a partir da EC nº 9/77, que trouxe o divórcio a vínculo para o Brasil.
O casamento traz efeitos Sociais, Pessoais e Patrimoniais. Os efeitos do casamento constituem aquilo que a doutrina chama de sociedade conjugal. O efeito social mais importante do casamento é a formação da família. Ex.: aqueles previstos no art. 1.566 do CC/02; a emancipação; a adoção do sobrenome do outro – e hoje tanto o homem quanto a mulher podem adotar o sobrenome do outro cônjuge -, e o novo código permite que quando o outro cônjuge for o culpado na separação, o inocente pode requerer a perda do direito a usar o nome, inclusive tem um artigo expresso neste sentido (art. 1.578), que é considerado pelo IBDFAM absolutamente inconstitucional, uma vez que no memento em que você se casou e adotou o sobrenome do outro, o nome é um direito da personalidade, é um dever jurídico também, mas há um direito constitucional, que é o direito a identidade civil e o nome se incorpora a sua personalidade, não podendo ser alterado, numa separação ou divórcio se já está incorporado na personalidade, a não ser que se abra mão desse direito, e não por força de um pedido do outro, com base numa culpa que está sendo cada vez mais afastada do direito de família.

Obs: A Constituição estará sempre influenciando o CC, pois ele sozinho não se basta, como já dizia o mestre Miguel Reale.

Há, ainda, os efeitos patrimoniais, ou seja, todo casamento importa em regime de bens, que podem ser típicos ou atípicos, que são os que os próprios nubentes criam ou misturam. Os nubentes podem criar ou misturar os regimes de bens desde que não ofenda a ordem pública. O legislador quando regula o regime de bens diz que os nubentes podem instituir o regime de bens que lhes aprouver, salvo se a lei impuser o regime da separação obrigatória. Outro efeito é a necessidade de outorga uxória ou marital para certos negócios jurídicos.

Obs: Marido e mulher não são parentes, o que ocorre é que um dos efeitos do casamento é que um cônjuge torna-se herdeiro sucessório do outro.

O casamento é um feito importantíssimo na vida de todos nós e é uma união de direito porque há uma solenidade na sua formação, uma pompa muito grande e, em regra, tem-se um juiz de direito celebrando o casamento, além de haver liberdade na escolha do nubente, salvo se houver incapacidade ou impedimentos matrimoniais.

Para muitos autores, o casamento, essa união de direito formadora da família, tem mais status que a união estável, no entanto, essa questão é polêmica:
1ª Corrente: para os conservadores, a própria constituição, no §3º do art. 226, está discriminando os companheiros na união estável em relação às pessoas casadas, quando o legislador constituinte afirma que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento – Min. Moreira Alves. Vários autores seguem essa posição, ou seja, quando o legislador infraconstitucional discrimina a união estável, a regra não é inconstitucional, já que a discriminação de direitos vem da própria constituição.
2ª Corrente: Luiz Paulo Vieira de Carvalho, Gustavo Tepedino, José Maria Leoni, IBDEFAM: a união estável, hoje – antigo concubinato puro, que é a união estável entre homem e mulher não proibida – é um tipo de família, tem proteção constitucional e não pode ser discriminada em relação ao casamento, aplicando-se, portanto, os conhecidos princípios constitucionais. Por que uma família vai ter mais status que a outra se a CF considera a união estável uma família? E a solidariedade que deve haver? Família é família e por isso tem que ter mesma proteção. E a igualdade substancial de direitos do art. 5º da CF? Pessoas que estão na mesma situação jurídica e núcleo familiar devem ter o mesmo tratamento jurídico.

A conversão da união estável em casamento pode ser enquadrada no 1º tipo de família, ou seja, uma família formada pela união estável. E, pelo art. 1.726 o legislador, adequando-se a regra constitucional diz que a união estável poderá converter-se em casamento mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no registro civil. Aliais, essa regra também seria inconstitucional, pois segundo o pessoal do IBDEFAM a CF diz que o legislador deve facilitar a conversão da união em casamento e agora, dificultaram, pois essa conversão deve ser homologada por um juiz, o que não existia antigamente. Ou seja, agora você faz o requerimento no registro civil - normalmente junta uma escritura declaratória de união estável com cinco testemunhas – forma-se os autos no procedimento de jurisdição voluntária – uma espécie de habilitação -, vai para o MP, depois vai para o juiz, que homologa ou não. Portanto, dificultou, pois na legislação passada não havia homologação do juiz na conversão.

2º UNIÃO ESTÁVEL: é a união de fato que, segundo a CF pode haver entre um homem e uma mulher sem casamento, sem solenidade, sem pompa, sem intervenção do Estado na sua formação, que produz igualmente importantes efeitos jurídicos, pessoais, patrimoniais e sociais, assemelhados e para alguns idênticos aos efeitos do casamento, onde os companheiros constituem um tipo de família, uma comunhão de vida com caráter de permanência.

No fundo, a grande diferença entre casamento e união estável se dá na formação, já que o casamento depende de toda uma solenidade para se formar, intervenção do Estado, cerimônia, fiscalização do MP, habilitação do casamento homologada pelo juiz em exercício no registro civil ao passo que a união estável dispensa tudo isso, ou seja, sua formação é não solene, o que se chama de união de fato, formada tão somente pela simples união entre homem e mulher. Agora, o conteúdo da união estável também é regido por regras imperativas, como bem se vê do art. 1.724 do CC/02, ou seja, tem efeitos patrimoniais, sucessórios, tem direitos e deveres. Há sociedade conjugal na união estável? Sim, sociedade conjugal de fato.

Discussão que está na moda é se existe união estável homoafetiva. O casamento entre pessoas do mesmo sexo estaria proibido pela regra implícita lá do art. 1.514. A doutrina unânime no Brasil diz que casamento entre pessoas do mesmo sexo é juridicamente inexistente.

Agora, a união estável homoafetiva, que está na moda, é possível ser reconhecida judicialmente? Duas Correntes:

1ª Corrente: Conservadora e majoritária. Não pode haver nem casamento e nem união estável entre pessoas do mesmo sexo, pois a CF diz que a união estável se dá entre homem e mulher e é um tipo fechado, não é exemplificativo. Se o casamento entre dois homens ou duas mulheres é juridicamente inexistente, a união estável também, não pode ser reconhecida.

2ª Corrente: Mais moderna, defendida por Maria Berenice Dias, Paulo Luiz Netto Lobo, Rolf Madaleno e todo o pessoal do IBDEFAM, aplicando os Princípios Constitucionais, entende pela existência jurídica da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Até porque, a Constituição em seu art. 3º, IV proíbe a discriminação. Mas tem um argumento, que é primordial, no sentido de que por que se vai negar a pessoas de orientação sexual diferente, a possibilidade dessas pessoas terem uma família.

No Rio Grande do Sul, há um acórdão da lavra de Maria Berenice Dias concedendo direitos sucessórios a um homem, que vivia uma união homoafetiva e que com o falecimento do seu companheiro, não havia mais nenhum parente sucessível. O acórdão foi no sentido de não reverter à herança ao Estado (herança jacente transformada em vacante), concedendo-a a companheiro sobrevivente. Ele perdeu em primeiro grau, mas ganhou em segundo, tendo como relatora a Des. Maria Berenice Dias.

PROVA DA DEFENSORIA: Um dos examinadores da atual banca da Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro (2007) é o Paulo Moraes Sarmento que não aceita a união estável homosexual, no entanto se cair um problema dizendo que um casal homosexual aparece na defensoria querendo fazer um pacto, não podemos responder na prova que não pode, em função dos princípios constitucionais. O defensor público tem que pugnar pelos direitos. Contudo, se for uma pergunta teórica, deve-se apresentar as duas correntes, mas se for procurado por algum assistido, vai entrar com a ação declaratória com base nos princípios constitucionais, dizendo que a expressão “homem e mulher” contida no texto constitucional é meramente exemplificativa, ou seja, não é taxativa, não é uma norma fechada.

3º FAMÍLIA MONOPARENTAL – ART. 226, §4º, CF: é a família formada por qualquer dos pais e sua prole, como por exemplo, aquela hipótese da mãe solteira que mora com seu filho, da viúva ou viúvo com seu(s) filho(s), do pai ou mãe divorciados que vivem com seus filhos.

Questão: Essa família monoparental envolveria a família sócio-afetiva? O que é uma família sócio-afetiva? O que é filiação sócio-afetiva?
R: Na CF, a possibilidade dessa família está no art. 227 caput, ou seja, todas as pessoas têm direito, especialmente a criança e o adolescente à convivência familiar, onde está embutido o direito ao afeto. É a filiação de criação.
No CC/02 a sócio-afetividade encontra-se no art. 1.593, quando o legislador diz assim: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”. Essa expressão “...ou outra origem” é o parentesco ou filiação sócio-afetiva e é a reprodução heteróloga autorizada pelo marido (art. 1.597, V, CC/02). Então, o parentesco civil abrange basicamente hoje em dia, a adoção, a filiação sócio-afetiva e a reprodução heteróloga assistida (quando é utilizado sêmen de outro homem, normalmente doador anônimo, e não do marido).

O filho de criação não é adotado, não é filho consangüíneo, mas ele vive no seio familiar como aquilo que os romanos chamavam de “posse do estado de filho”, ele é tratado como filho. Ele deve obter o reconhecimento em juízo, pois filho sem reconhecimento não herda. No Rio Grande do Sul já há duas decisões pelo menos, em ações declaratórias de reconhecimento de filiação sócio-afetivas julgadas procedentes. Então, teoricamente o filho de criação pode entrar com uma ação para obter direitos sucessórios. Portanto, essa união entre o filho e a pessoa que o cria chama-se de sócio-afetiva, que pode constituir uma família monoparental.

Hoje em dia prevalece o conceito jurídico de pai e não só o biológico, pois pai é aquele que dá afeto.

Ex.: Uma mulher, tem um noite com um sujeito e engravida. O filho nasce e o pai não quer saber de reconhecer. O tempo passa e ela conhece um outro homem, se casa com ele e ele por se afeiçoar muito a criança, resolve reconhece-la, adotando-a como seu filho (adoção unilateral, que está expressa no CC e no ECA). O tempo passa e o pai biológico descobre e resolve dar uma de pai exigindo teste de paternidade para que o juiz declare a nulidade da adoção cumulada com reconhecimento judicial da paternidade.
Solução: A lei só exige o reconhecimento quando o pai é desconhecido. Quando ele é conhecido e não quis reconhecer, tendo a criança já sido reconhecida pelo marido atual da mãe (adoção à brasileira), este será o pai da criança, não perde seus direitos, pois foi ele que deu o afeto do 227 caput da CF/88.

Então, a afetividade hoje é a base da família e não somente a descendência biológica ou por consangüinidade. Seria a volta dos cognatos do direito romano, onde o parentesco mais importante não era o de sangue mais sim o religioso.

Posição pacífica no STJ: Você entra com ação de investigação de paternidade contra seu pai e você está registrado em nome de outra pessoa. Se o juiz julga procedente, automaticamente está desconstituído o primeiro registro (Ver: REsp 435102 / MG ; RECURSO ESPECIAL 2002/0057659-2, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO)

Pode acontecer, ainda, de haver uma filiação sócio-afetiva do filho da empregada. Neste caso, há dois direitos em jogo: um, é o direito do filho de criação à filiação sócio-afetiva e o outro é o direito da mãe biológica sobre o filho, já que ele está registrado em nome dela. Agora se isso for desaguar no judiciário, de um lado tem dois princípios: o da verdade óbvia da criação e o princípio do direito a filiação por afetividade.


4º MODOS DE COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA – Guarda e responsabilidade do ECA, art. 33; Tutela; Adoção e para alguns a Curatela, ou seja, aquela relação de pupilo e curatelado também seria uma forma de família, se já não forem parentes.

5ºFAMÍLIA EM POTÊNCIA – Lei nº 8.009/90 – Família para efeitos de penhorabilidade. O que é isso? Lá no art. 1º, diz que o imóvel familiar seja dos casados ou companheiros, está protegido e é impenhorável. Então antigamente quem pedia essa proteção, eram as pessoas casadas e as que viviam em união estável, no entanto, o STJ tem várias decisões, protegendo, como família em potência, duas irmãs que moram juntas; primos; o solteiro ou divorciado que mora no seu apartamento, pois ali existe uma família em potência; casal homosexual.

CONCEITO DE FAMÍLIA POR MARIA BERENICE DIAS: A família moderna é qualquer entidade que preencha os requisitos da afetividade, estabilidade e ostensividade.

DO CASAMENTO

Conceito de Casamento: é a união de direito entre o homem e a mulher, cuja formação é solene, com toda pompa, precedida de habilitação, a cerimônia de casamento tem intervenção do Estado através do Juiz de Casamento, o seu conteúdo é regido por regras imperativas ou de ordem pública. No casamento, os nubentes procuram estabelecer uma comunhão de vida íntima com caráter de permanência, porém não sendo mais o vínculo indissolúvel em vida dos nubentes, a partir da EC nº 9/77, que trouxe o divórcio a vínculo para o Brasil. O casamento traz efeitos Sociais, Pessoais e Patrimoniais. Os efeitos do casamento constituem aquilo que a doutrina chama de sociedade conjugal. O efeito social mais importante do casamento é a formação da família.
Merece referência as definições de Washington de Barros Monteiro e Pontes de Miranda. Para o primeiro, o casamento é “a união permanente entre o homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos”.Para o segundo, casamento “é contrato solene, pelo qual duas pessoas de sexo diferente e capazes, conforme a lei, se unem com o intuito de conviver toda a existência, legalizando, por ele, a título de indissolubilidade do vínculo, as suas relações sexuais, estabelecendo para seus bens, à sua escolha ou por imposição legal, um dos regimes regulados pelo código civil, e comprometendo-se a criar e a educar a prole que de ambos nascer”.
Esta última, por se referir à capacidade dos nubentes e aos efeitos do casamento, tornou-se muito extensa, como seu próprio autor reconhece. Por essa razão, afirma o notável jurista citado, poderia ser ela simplificada da seguinte forma: “Casamento é o contrato de direito de família que regula a união entre marido e mulher”.
Entretanto, a melhor definição apresentada pela doutrina, é a do mestre paranaense José Lamartine Corrêa de Oliveira, que considera o casamento “o negócio jurídico de Direito de Família, por meio do qual um homem e uma mulher se vinculam através de uma relação jurídica típica, que é a relação matrimonial. Esta é uma relação personalíssima e permanente, que traduz ampla e duradoura comunhão de vida”.
Merece destaque, ainda, o conceito de casamento apresentado pelo Código Civil Português de 1966 (um dos poucos diplomas no mundo a definir o instituto), em seu art. 1.577º, que dispõe o seguinte: “Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste código”.
Natureza Jurídica: Primeira Corrente – CONTRATUALISTA (Clóvis Beviláqua) Casamento é um contrato especial de direito de família que envolve interesses patrimoniais e não patrimoniais. Na realidade, é um negócio jurídico bilateral e se baseia no princípio da autonomia da vontade (é a possibilidade que a lei confere aos sujeitos de direito de auto-regulamentarem os seus interesses). O Código civil de 1916 prestigia essa corrente (art. 194, CC/16).
Segunda Corrente - INSTITUCIONALISTA (Arnoldo Wald e Maria Helena Diniz) Para essa parte da doutrina, o casamento não é um contrato, não é um negócio jurídico, pois não há autonomia da vontade, já que os nubentes não podem regulamentar o conteúdo do matrimonio, cujos efeitos pessoais, sociais e patrimoniais são regidos por regras imperativas ou de ordem pública. Vigora o princípio subjetivo interno do casamento, que é a fidelidade recíproca, previsto no artigo 1566, I do Código Civil.
A objeção é que não há contrato porque, não há autonomia da vontade. E mais, os contratos fazem parte dos direitos da obrigação, têm sempre conteúdo patrimonial, o que não ocorre com o casamento e a vontade dos contratantes é divergente, porém, se amoldam no denominado consenso, o que não acontece no casamento em que os noivos devem ter os mesmos objetivos (ex. compra e venda, onde há o interesse de vender a coisa e o de comprar a coisa).
Desse modo, o casamento não é um contrato, é na realidade, uma instituição social fundamental para a sociedade, é um ato jurídico em sentido estrito e complexo, ou seja, os nubentes não podem disciplinar os efeitos do casamento que decorrem da própria lei que cria entre os nubentes direitos subjetivos internos previstos expressamente no artigo 1566 I a IV do Código Civil.
Ato jurídico complexo, ou seja, um ato jurídico em sentido estrito. É complexo, porque cria direitos e deveres para ambos os nubentes.
Crítica do Leoni: é um contrato sim. Nos contratos de consumo, na relação de fornecedor de serviços e consumidor, o fornecedor também não tem autonomia. Lembra das cláusulas abusivas? Ele também não tem a liberdade contratual que ele quiser. Portanto, essa noção de autonomia da vontade está sendo afastada do direito civil. Ele diz que o casamento continua sendo um contrato, um negócio jurídico mesmo que não haja autonomia. A única autonomia é a escolha do nubente, salvo se não houver impedimento matrimonial. Seria um CONTRATO ESPECIAL do Direito de Família.
Terceira Corrente – Teoria MISTA OU ECLÉTICA (Carlos Roberto Gonçalves) É um misto de contrato na formação, já que os noivos têm liberdade para a escolha do parceiro, salvo os impedimentos matrimoniais e ato jurídico em sentido estrito, em relação ao conteúdo, em relação aos efeitos do casamento impostos pela Lei. É chamada de teoria eclética ou mista. Para esta corrente o casamento seria um contrato sui generis.
Para Roberto Rugierro - o casamento é um ato complexo que só gera deveres entre nubentes.
Para alguns autores franceses - o casamento é um ato administrativo.
Características do Casamento:
a) ato eminentemente solene (art.1535, CC/02): a solenidade destina-se a dar maior segurança jurídica, garantir a sua validade e enfatizar a sua seriedade. O ato matrimonial, desse modo, se principia com o processo de habilitação e publicação dos editais, desenvolve-se na cerimônia em que é celebrado e prossegue no registro no livro próprio. As formalidades exigidas constituem elementos essenciais e estruturais do casamento, cuja inobservância torna o ato inexistente.
b) as normas que o regulamentam são de ordem pública: o casamento é constituído de um conjunto de normas imperativas, cujo objetivo consiste em dar a família uma organização social moral compatível com as aspirações do Estado e da natureza permanente do homem definidas em princípios esculpidos na CF e nas leis civis.
c) estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges (art. 1511, 1566, 1565, CC/02): implica necessariamente união exclusiva, uma vez que o primeiro dever imposto aos cônjuges é o dever de fidelidade recíproca, previsto no aludido art. 1.566, I). A comunhão está ligada ao princípio da igualdade substancial, que pressupõe o respeito à diferença entre os cônjuges e a conseqüente preservação da dignidade das pessoas casadas.
d) representa união permanente (arts. 1571 a 1582 do CC/02 e Lei 6.515/77): Predomina atualmente, os sistemas jurídicos que consagram a dissolubilidade. No Brasil, o divórcio foi introduzido pela EC nº 9 de 28/06/1977, que deu nova redação ao § 1º do art. 175 da CF/69, não só suprimindo o princípio da indissolubilidade do vínculo matrimonial como também estabelecendo os parâmetros da dissolução, que, posteriormente veio a ser regulamentada pela lei nº 6.515/77. A CF/88 reduziu o prazo da separação judicial para um ano, no divórcio-conversão, criando ainda uma modalidade permanente e ordinária de divórcio direto, desde que comprovada a separação de fato por mais de dois anos. O CC/02 proclama que o divórcio é uma das causas que ensejam o término da sociedade conjugal, tendo o condão de dissolver o casamento válido (art. 1.571, IV, e § 1º), regulamentando o assunto nos arts. 1.571 a 1.582.
e) exige diversidade de sexos: a CF/88, com efeito, só admite o casamento entre homem e mulher. Esse posicionamento é tradicional e já era salientado nos textos clássicos romanos. A diferença de sexos constitui requisito do casamento, a ponto de serem consideradas inexistentes as uniões homossexuais. Existe, no entanto, um projeto de lei tramitando no CN, apresentado pela então Dep. Marta Suplicy, com o objetivo de disciplinar somente as Uniões estáveis, não se propondo a dar às parcerias homossexuais um status igual ao do casamento, como consta da justificativa encaminhada.
f) Não comporta termo ou condição: constitui negócio jurídico puro e simples.
g) permite liberdade de escolha do nubente (art. 1542, CC/02; art. 16 da “Declaração Universal de Direitos do Homem e art. 12 da Convenção Européia de Direitos do Homem”): trata de uma conseqüência natural do seu caráter pessoal. Cabe exclusivamente aos consortes manifestar sua vontade, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais. A liberdade nupcial é um princípio fundado na ordem pública, pelo que se considera inadmissível a restrição à liberdade pessoal.

Finalidades do casamento:
São múltiplas as finalidades do casamento e variam conforme a visão filosófica, sociológica, jurídica ou religiosa como são encaradas. Entretanto, sem dúvida, a principal finalidade do casamento é estabelecer uma comunhão plena de vida, como prevê o art. 1.511 do CC/02, impulsionada pelo amor e afeição existente entre o casal e baseada na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges e na mútua assistência. Os demais objetivos, embora também importantes, são secundários, não essenciais, como a procriação, a educação dos filhos e a satisfação sexual, aliados à atribuição do nome de um dos cônjuges ao outro, e o de ambos aos filhos, bem como a legalização de estados de fato.

INOVAÇÕES TRAZIDAS PELO CC/02
Dentre as diversas inovações trazidas pelo CC/02, destacam-se as seguintes: a) gratuidade da celebração e, com relação à pessoa cuja pobreza for declarada sob as penas da lei, também da habilitação, do registro e da primeira certidão (art. 1.512); b) regulamentação e facilitação do registro civil do casamento religioso (art. 1.516); c) redução da capacidade do homem para casar, para dezesseis anos (art. 1.517); d)previsão somente dos impedimentos ou dirimentes absolutos, reduzindo-se o rol (art. 1.521); e) tratamento das hipóteses de impedimentos relativamente dirimentes do CC/16 não mais como impedimentos, mas como casos de invalidade relativa do casamento (art. 1.550); f) substituição dos antigos impedimentos impedientes ou meramente proibitivos pelas causas suspensivas (art. 1.523); g) exigência de homologação da habilitação para o casamento pelo juiz (art. 1.526); h) casamento por procuração mediante instrumento público, com validade restrita a noventa dias (art. 1.542 c/c 1.532); i) consolidação da igualdade dos cônjuges, aos quais compete a direção da sociedade conjugal, com o desaparecimento do chefe da família (art. 1.565 e 1.567); j) oficialização do termo sobrenome e possibilidade de adoção do utilizado pelo outro, por qualquer dos nubentes (art. 1.565, § 1º).

IGUALDADE ENTRE A FILIAÇÃO BIOLÓGICA E SOCIOAFETIVA

*
Belmiro Pedro Welter
Promotor de Justiça,
Mestre em Direito,
Professor de Direito de Família e
Autor de 10 Livros de Direito de Família.


SUMÁRIO: 1. Considerações Iniciais; 2. Espécies de Filiação Socioafetiva; 2.1 Filiação afetiva na adoção; 2.2 Filiação sociológica do filho de criação; 2.3 Filiação eudemonista no reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade ou maternidade; 2.4 Filiação socioafetiva na "adoção à brasileira"; 3. Conceito de Estado de Filho Afetivo (Posse de Estado de Filho); 4. Posse de Direitos Reais e Estado de Filho Afetivo; 5. Elementos que Caracterizam o Estado de Filho Afetivo; 6. Paternidade e Maternidade Socioafetiva; 7. Breve Abordagem Psicanalítica da Filiação; 8. Irrevogabilidade da Filiação Socioafetiva; 9. Desnecessidade de Legislação Infraconstitucional para o Ajuizamento da Ação de Investigação de Paternidade Socioafetiva; 10. Considerações Finais.

1 - Considerações Iniciais

Os princípios constitucionais da igualdade, da proibição de discriminação entre a filiação, da supremacia dos interesses dos filhos, da cidadania e da dignidade da pessoa humana, os dois últimos elevados a fundamento da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito, não admitem a discussão da origem da filiação, biológica ou socioafetiva, não importando se de reprodução humana natural (sexual, corporal) ou medicamente assistida (assexual, extracorporal, laboratorial, artificial, científica).

Residem ferrenhas controvérsias no cenário jurídico brasileiro acerca da manutenção, ou não, das três verdades da perfilhação: formal, biológica e sociológica. O embate jurídico entre os operadores do Direito é enunciação de que a discussão será mais acalorada sobre as diversas interpretações a serem dadas na reprodução humana medicamente assistida, motivo por que o jurista, ao se manifestar sobre a paternidade ou a maternidade, seja sexual ou assexual, biológica ou afetiva, não pode consignar um ponto final, mas, sim, três pontos (...), ou seja, sua idéia será apenas um piso, e não teto hermenêutico, justamente porque lidamos com família, ou melhor, com seres humanos, cada qual com as suas idiossincrasias, individualidade, ancestralidade, identidade, formação social, singularidade e dignidade. Significa, enfim, que tudo o que for dito sobre reprodução humana corporal ou extracorporal deve ser visto de soslaio, na medida em que o debate doutrinário se encontra na fase gestacional, não havendo, por enquanto, engenharia genética capaz de clonar os princípios da prioridade e da prevalência absoluta dos interesses dos filhos.

Como norte, são invocados o art. 227, § 6º, da Constituição Federal de 1988, disciplinando que "os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação", e o art. 227, cabeço, do texto constitucional, estabelecendo que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

A contar do Contrato Constitucional de 1988 e do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002), não é mais possível interpretar o Direito de Família com base no Código Civil de 1916, mas, sim, sob uma ótica garantista e ultrapassando a ontologia da coisa, porque não são os objetos que explicam o mundo, e sim este é o instrumento que possibilita o acontecer da explicitação dos objetos, eliminando o "caráter de ferramenta da Constituição: a Constituição não é ferramenta – é constituinte (...). Temos de des-objetivar a Constituição, tarefa que somente será possível com a superação do paradigma metafísico que (pré)domina o imaginário dos juristas", (des)velando, assim, alguns princípios constitucionais: 01) da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF); 02) da cidadania (art. 1º, II); 03) da igualdade entre a filiação (art. 226, cabeço); 04) do pluralismo e da democracia no recanto familiar, com a liberdade de escolha da espécie de família (art. 1º, V); 05) da igualdade dos cônjuges (art. 5º, inciso I); 06) da liberdade, da justiça e do solidarismo no trato das relações familiares (art. 3º, I); 07) da beneficência em prol da unidade familiar (art. 3º, IV); 08) da instituição da filiação socioafetiva (arts. 226, §§ 4º e 7º, e 227, § 6º); 09) da equivalência da filiação biológica e afetiva (arts. 226, § 7º, e 227, § 6º); 10) da pluralidade das entidades familiares (art. 226, §§ 1º, 3º e 4º); 11) do bem-estar familiar (art. 227, caput); 12) da proteção absoluta e integral dos filhos – crianças e adolescentes (art. 227, cabeço); 13) da igualdade e da beneficência entre os membros da família (art. 226, cabeço e §§ 4º e 7º); 14) da equiparação entre casamento e união estável (art. 226, cabeço e § 3º), cuja nova ordem constitucional é auto-aplicável.

2 - Espécies de Filiação Socioafetiva

A família antiga era numerosa, edificada no casamento, tendo o pai o poder de vida e de morte sobre a mulher, filhos e escravos. O Código Civil de 1916 regula a família patriarcal também com base na hegemonia de poder do pai, na hierarquização das funções, na desigualdade de direitos entre marido e mulher, na discriminação dos filhos, na desconsideração das entidades familiares e no predomínio dos interesses patrimoniais em detrimento do aspecto afetivo. A família do terceiro milênio é formada pelo casamento, união estável e pela comunidade formada por qualquer dos pais e o filho, denominada família nuclear, pós-nuclear, unilinear, monoparental, eudemonista ou socioafetiva. É observada a igualdade entre casamento e união estável, no predomínio dos interesses afetivos em detrimento do patrimonial, não havendo mais a hierarquia de seus membros, mas, sim, o interesse na felicidade recíproca (novo Código Civil e arts. 226 a 230 da Constituição Federal), já que, "sem amor, não há família". Atualmente, existe somente uma história a ser contada sobre a família: a democrática, com vida familiar individual e solidariedade social, "igualdade emocional e sexual; direitos e responsabilidades mútuos nos relacionamentos; co-paternidade; contratos vitalícios de paternidade; autoridade negociada sobre os filhos; obrigações dos filhos para com os pais; a família socialmente integrada", demonstrando, assim, que "nenhum outro ramo do Direito vem recebendo tantos influxos e nem passando por tantas mutações". Reconhecida constitucionalmente a família afetiva, não há motivo de os juristas biologistas oporem resistência à filiação sociológica, visto que, lembra LUIZ EDSON FACHIN, é tempo de encontrar na tese biologista e na socioafetiva espaço de convivência, isso porque a sociedade não tem o interesse de decretar o fim da biologização, "clara e estampada na superação do modelo patriarcal codificado e nas estruturações de novos paradigmas para a família na constitucionalização". Concordo, assim, com LUIS ALBERTO WARAT ao lançar a advertência de que se deve ter "desconfiança crescente com relação àqueles que fazem das idéias armas para um combate intolerante".

A filiação socioafetiva compreende a relação jurídica de afeto com o filho de criação, quando comprovado o estado de filho afetivo (posse de estado de filho), a adoção judicial, o reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade ou maternidade e a conhecida "adoção à brasileira".

2.1. Filiação afetiva na adoção

A adoção é um ato jurídico e um ato de vontade que se prova e se estabelece através de um contrato ou de um julgamento (ato de vontade do juiz, mas que supõe previamente a vontade do(s) interessado(s). Esse instituto não foi criado recentemente, constando do art. 185 do Código de Hamurabi (1728-1686 a.C.), pois a verdade socioafetiva "é tão real como o que une o pai ao seu filho de sangue, e os efeitos que do primeiro emergem são tão reais como os que decorrem do segundo".


2.2. Filiação sociológica do filho de criação

A filiação afetiva também ocorre naqueles casos em que, mesmo não havendo nenhum vínculo biológico ou jurídico (adoção), os pais criam uma criança por mera opção, denominado filho de criação, (des)velando-lhe todo o cuidado, amor, ternura, enfim, uma família, "cuja mola mestra é o amor entre seus integrantes; uma família, cujo único vínculo probatório é o afeto". Mas, com relação a essa filiação, não há convergência na doutrina e na jurisprudência, o que se haure de dois julgamentos do Tribunal de Justiça sul-rio-grandense: a) "No sistema jurídico brasileiro não existe a adoção de fato, e o filho de criação não pode ser tido como adotado ou equiparado aos filhos biológicos para fins legais, tais como direito à herança"; b) "A despeito da ausência de regulamentação em nosso direito quanto à paternidade sociológica, a partir dos princípios constitucionais de proteção à criança (art. 227 da CF), assim como da doutrina da integral proteção, consagrada na Lei nº 8.069/90 (especialmente arts. 4º e 6º), é possível extrair os fundamentos que, em nosso direito, conduzem ao reconhecimento da paternidade socioafetiva, relevada pela posse do estado de filho, como geradora de efeitos jurídicos capazes de definir a filiação".

2.3. Filiação eudemonista no reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade ou maternidade

Quem comparece perante um Cartório de Registro Civil, de forma livre e espontânea, solicitando o registro de uma vida como seu filho não necessita qualquer comprovação genética para ter sua declaração admitida, lembra JOÃO BAPTISTA VILLELA, mas, em decorrência, somente "poderá amanhã invalidá-la se demonstrar, por exemplo, que sua manifestação não foi livre, senão coacta ou produzida por erro, ainda que seja, efetivamente, o procriador genético". Esses termos são afiançados por LUIZ EDSON FACHIN ao certificar que, "aquele que toma o lugar dos pais, pratica, por assim dizer, uma 'adoção de fato'. O 'pai jurídico' tem o seu lugar ocupado pelo 'pai de fato'".

No reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade ou maternidade é estabelecido o estado de filho afetivo (posse de estado de filho), não importando se biológico, ou não, o que "atribui direitos que provocam efeitos, sobretudo morais (estado de filiação, direito ao nome, relações de parentesco) e patrimoniais (direito à prestação alimentar, direito à sucessão, etc.)".

Em decorrência, discute-se na jurisprudência se o reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade e maternidade é revogável, ou não, nos seguintes termos: 01) "Por mais que se afigure deplorável a atitude de um homem que, por treze anos, acalenta o fato de ser o pai de alguém, para depois destruir essa verdade socioafetiva, não pode prevalecer um registro de nascimento falso, pois, no nosso País, vige o critério da verdade biológica da filiação"; 02) "Quem, sabendo não ser o pai biológico, registra como seu o filho de companheira durante a vigência de união estável, estabelece uma filiação socioafetiva, que produz os mesmos efeitos que a adoção, ato irrevogável. O pai registral não pode interpor ação negatória de paternidade e não tem legitimidade para buscar a anulação do registro de nascimento, pois inexiste vício material ou formal a ensejar sua desconstituição".

2.4. Filiação socioafetiva na "adoção à brasileira"

A quarta identificação da filiação sociológica decorre da conhecida "adoção à brasileira", em que alguém reconhece a paternidade ou maternidade biológica, mesmo não o sendo, cuja conduta é tipificada como crime (art. 299, parágrafo único, do Código Penal). Nesse caso, é edificado o estado de filho afetivo (posse de estado de filho), tornando, dessa forma, irrevogável o estabelecimento da filiação, na forma dos arts. 226, §§ 4º e 7º, e 227, § 6º, da Constituição Federal, pelo que "a declaração de vontade, tendente ao reconhecimento voluntário da filiação, admitindo alguém ser pai ou mãe de outra pessoa, uma vez aperfeiçoada, torna-se irretratável".

Na jurisprudência também é dito que a adoção "à brasileira" torna-se irrevogável quando edificado o estado de filho afetivo, pois, nesse caso, nasce a filiação socioafetiva, reconhecida constitucionalmente (arts. 226, §§ 4º e 7º, e 227, § 6º, da CF), o que se infere dos seguintes julgados: 01) "Ação de anulação de escritura pública de reconhecimento da paternidade. Adoção à brasileira. O reconhecimento espontâneo da paternidade daquele que, mesmo sabendo não ser o pai biológico, registra como sua a filha da sua companheira, tipifica verdadeira adoção, irrevogável, descabendo posteriormente a pretensão anulatória do registro de nascimento. Extinção do feito, sem julgamento do mérito (art. 267, inciso VI, do CPC)"; 39 02) "Registro de nascimento. Reconhecimento espontâneo da paternidade. Adoção simulada ou à brasileira. Descabe a pretensão anulatória do registro de nascimento do filho da companheira, lavrado durante a vigência da união estável, já que o ato tipifica verdadeira adoção, que é irrevogável".

3 - Conceito de Estado de Filho Afetivo (Posse de Estado de Filho)

Ostentar um estado de filho é, segundo ORLANDO GOMES, "ter de fato o título correspondente, desfrutar as vantagens a ele ligadas e suportar seus encargos. É passar a ser tratado como filho". E o estado de filho afetivo, acrescenta o autor, é identificado pela exteriorização da condição de filho, nas seguintes circunstâncias: "a) sempre ter levado o nome dos presumidos genitores; b) ter recebido continuamente o tratamento de filho; c) ter sido constantemente reconhecido, pelos presumidos pais e pela sociedade, como filho".

A investigação de paternidade é a ação de estado mais relevante da filiação, tendo por objeto o "acertamento do estado da pessoa, seja para afirmá-lo, quando ela não lhe está na posse, seja para contestá-lo, quando um terceiro quer privá-la das vantagens de um estado em que se acha, sem a ele ter direito(...)". Quer dizer, "as ações de estado são 'destinadas a dirimir as controvérsias relativas ao status personae, o estado de uma pessoa e, especialmente, no estudo da filiação, o status de filho". A doutrina, de um modo geral, afirma que a filiação afetiva "consiste no gozo do estado, da qualidade de filho legítimo e das prerrogativas dela derivadas", e "a posse e o estado são inseparáveis, pois se possuem simultaneamente o estado de pai e o estado de filho".

Discordo da doutrina e da jurisprudência que ainda trata a relação paterno-filial como posse de estado de filho e, sobretudo, quando faz analogia entre a posse de estado de filho e a posse dos direitos reais, por várias razões:

- a primeira, não se trata de posse de estado de filho, mas, sim, de estado de filho afetivo, cujo vínculo entre pais e filho, com o advento da Constituição Federal de 1988, não é de posse e de domínio, e sim de amor, de ternura, na busca da felicidade mútua, em cuja convivência não há mais nenhuma hierarquia. Enquanto a família biológica navega na cavidade sangüínea, a família afetiva transcende os mares do sangue, conectando o ideal da paternidade e maternidade responsável, hasteando o véu impenetrável que encobre as relações sociológicas, regozijando-se com o nascimento emocional e espiritual do filho, edificando a família pelo cordão umbilical do amor, do afeto, do desvelo, do coração e da emoção, (re)velando o mistério insondável da filiação, engendrando um verdadeiro reconhecimento do estado de filho afetivo;

- a segunda, equiparar a posse dos direitos reais à de estado de filho, inclusive com os mesmos requisitos do art. 550 do Código Civil, 47 é demonstrar o firme propósito de manter a antiga coisificação do filho, a mesma estrutura familiar do medievo, da família patriarcal, principalmente da família romana, em que o pai detinha a posse e a propriedade do filho, da mulher e dos escravos, com poderes sobre eles de vida e de morte;

- a terceira, a família afetiva está inundada pelos mesmos propósitos da família biológica, ou seja, "a verdadeira paternidade decorre mais de amar e servir do que de fornecer material genético". 49 É uma imagem bifronte, uma refletindo a outra, com comunhão plena de vida entre ambas as famílias, porque a família sociológica é constituída à imagem e semelhança da família genética e vice-versa, porquanto o que importa é a manutenção contínua dos vínculos do amor, carinho, desvelo, ternura, solidariedade, que sustentam, efetivamente, o grupo familiar. É por isso que se deve ter muito cuidado ao falar em Direito de Família, especialmente quanto à filiação, porque "atinge a pessoa nas fímbrias do seu coração e mexe com o que ela tem de mais íntimo e de mais precioso em sua vida. É um terreno que devemos sempre percorrer com extraordinário cuidado, como quem estivesse mexendo em cristais, para não criar fraturas", pois a figura paterna não é apenas genitor, mas, principalmente, protetor, amigo, pai, como, por exemplo, quando chega a casa, à noite, cansado e com fome, mas, antes de se alimentar ou descansar, "senta-se na beira da caminha, para contar mais um capítulo de uma história inventada, que não termina jamais, e que alimenta a fantasia de sua criança, numa linguagem de amor que ela entende bem";

- a quarta, no estado de filho afetivo devem ser cumpridas as mesmas condições do estado de filho biológico, já que a filiação é uma imagem refletida entre pais e filho, sem discriminação, sem identificar-se com a voz do sangue ou a voz do coração. Segundo anotava CLÓVIS BEVILACQUA, no ano de 1943, quando uma pessoa, "constante e publicamente, tratou um filho como seu, quando o apresentou como tal em sua família e na sociedade, quando na qualidade de pai proveu sempre suas necessidades, sua manutenção e sua educação, é impossível não dizer que o reconheceu". E isso não é posse, mas, sim, a edificação do estado de filho, do estado de afeto.

Com isso, pode-se traçar paralelo entre algumas matérias do Direito, para comprovar que não existe qualquer analogia entre domínio, posse e estado de filho, na medida em que o afeto está para o Direito de Família assim como a posse e o domínio estão para o Direito das Coisas; o liame contratual para o Direito Obrigacional; o fato delituoso para o Direito Penal; o vínculo laboral para o Direito do Trabalho, e o tributo para o Direito Tributário.

4 - Posse de Direitos Reais e Estado de Filho Afetivo

Fazendo analogia do estado de filho afetivo com a posse de direitos reais, JULIE CRISTINE DELINSLI afirma que, em qualquer caso, "a posse é a manifestação exterior, visível da fruição de determinadas qualidades e atributos da pessoa; serve para atribuir um estado cuja comprovação não é possível por outro modo". No mesmo contexto, explica a autora que o estado de filho também pode ser provado pela teoria da aparência, porquanto "é comum apresentar a 'posse de estado' como uma versão da aparência, pois, sem dúvida, as duas noções são similares". 53 Ou seja, para a maioria da doutrina, "a posse do estado de filho é uma das manifestações da aparência na esfera jurídica".

Apadrinha esse pensamento JOSÉ BERNARDO RAMOS BOEIRA ao certificar que, assim como a posse tem em seus elementos – corpus e animus -, a "posse de estado" se caracteriza por convergência do tratamento e da reputação de filho, e "o desenvolvimento do papel da 'posse de estado', sobretudo na legislação francesa, é acompanhado de uma modificação importante: – a 'posse de estado' não é somente 'uma prova do estado', mas também pode ser, às vezes, a condição de sua existência".

Incorre na mesma argumentação JACQUELINE FILGUERAS NOGUEIRA, no sentido de que "existe certa semelhança em relação aos elementos caracterizadores da 'posse de estado', tratamento e fama, e os elementos essenciais da posse, corpus e animus. O corpus, da teoria objetiva de IHERING, que é relação exterior que revela aparência de propriedade, equivaleria à fama, sendo esta considerada a relação exterior que revela uma relação de paternidade ou aparência de paternidade. E o animus, que é a vontade de proceder como normalmente procede o proprietário, corresponderia ao tratamento, sendo a vontade de tratar a criança como trataria um pai. Mas o animus, em relação à 'posse de estado', se adapta à teoria subjetiva de SAVIGNY, já que o elemento 'vontade' é necessário e característico da 'posse de estado'".

Não afianço essa doutrina de equiparação do estado de filho afetivo a posse dos direitos reais, pois representa a perpetuação da coisificação do filho, conforme fundamentos lançados no item 2 deste capítulo. Entretanto, para não ser acusado de fugir ao debate, entendo que na investigação de paternidade socioafetiva não basta a prova da aparência do estado de filho, mas, sim, a busca intransigente da verdadeira paternidade e maternidade sociológicas. Ora, se na investigatória de paternidade biológica exige-se a verdade da filiação, inclusive com a produção do exame genético em DNA, também deve ser obrigatória a mesma verdade na investigação da paternidade socioafetiva, já que na Constituição Federal de 1988 residem apenas essas duas verdades da filiação: biológica e sociológica.

Por isso, sustento a idéia de que não se aplica a teoria da aparência na ação de investigação de paternidade e maternidade sociológica. Nesse caso, em tese, deve ser aplicada a teoria da evidência, para que a decisão judicial declare a verdadeira, e não a fictícia, filiação socioafetiva, isso porque a maior Carta Política e Jurídica do País de 1988 afastou do ordenamento jurídico a presunção, a aparência, a ficção, a paternidade e maternidade meramente judicial, acolhendo tão-somente duas verdades: biológica e sociológica (arts. 226, §§ 4º e 7º, e 227, § 6º, da CF). Em matéria de filiação, a decisão judicial deve estar mais próxima da verdade biológica ou sociológica, afastando-se, em decorrência, cada vez mais da verdade meramente formal, ficção jurídica. Pode ser alegado que o conceito de verdade é difícil de ser compreendido, mas, segundo ROBERT ALEXY, "a verdade pode ser definida como uma correspondência entre a sentença e o fato". Para a teoria da verdade ser adequada, prossegue o autor, ela tem de fazer justiça ao que PATZIG denomina de "dualidade interna", no conceito de fato, "significando que os fatos, por um lado, dependem da linguagem, enquanto que, por outro, o valor de verdade das sentenças depende dos fatos".

5 - Elementos que Caracterizam o Estado de Filho Afetivo

A idéia de estado de filho afetivo já era conhecida antes mesmo que os países civilizados organizassem o sistema de registro de nascimentos, que, inicialmente, era oficializado nas paróquias, sob o comando do Direito Canônico. Bem mais tarde, noticia MARIA CLÁUDIA CRESPO BRAUNER, com as primeiras codificações, a contar de 1800, e a institucionalização do matrimônio, "surgiu a discriminação dos filhos nascidos de relações não formalizadas, sendo que a incidência da presunção de paternidade legal desconsiderou o elemento fático da filiação, estabelecendo somente o critério legal para determinação da filiação". O reconhecimento da filiação, continua a autora, "passou a ser um ato formal, e a simples posse de estado de filho não servia para demonstrar a filiação e, muito menos, para criar o vínculo legal entre pai e filho".

Três são os requisitos do estado de filho afetivo: a nominatio, a tratactus e a reputatio, ou seja, "que a pessoa tenha sido tratada como filho do indigitado pai e que tenha, como tal, atendido à manutenção, à educação e à colocação dela; que a pessoa tenha sido constantemente considerada como filho nas relações sociais". A nominatio, que é o nome, é ter o filho o apelido do pai; a tractatus é ser tratado e educado como filho; a reputatio é ser tido e havido por filho na família e na sociedade em que vive. Isso significa que o nome é o uso constante do apelido (sobrenome) da família do pai afetivo; o tratamento decorre do filho ser criado, educado, tido e apresentado à sociedade como filho; a fama ou reputação é a circunstância de ser sempre considerado, na família e na sociedade, como filho.]

Porém, a doutrina, em sua maioria, dispensa o requisito do nome, bastando a comprovação dos requisitos do tratamento e da reputação, visto que, no caso de uma criança, é ela quase sempre identificada pelo seu prenome, pelo que "até mesmo a posição social e o grau de educação das pessoas envolvidas são fatores que se deve considerar para a configuração e tipificação desses dois elementos essenciais". O tratamento é o elemento clássico de maior valor, certifica JACQUELINE FILGUERAS NOGUEIRA, porquanto reflete a conduta que é dispensada ao filho, garantindo-lhe o indispensável à sobrevivência, como a manutenção, a educação, a instrução, a formação dele como ser humano. Já o terceiro elemento, a fama, "é a situação de uma criança ter sempre sido considerada pela sociedade como filho 'legítimo' daqueles que a criam; é a notoriedade ou reputação social desta situação".

Elucidativo julgamento foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, em 01.06.1988, no sentido de que "o tratamento como filho envolve a reputação de filho ser. Um pai pode tratar um filho de muitos e variados modos: cuidar da alimentação, do vestuário e do calçado; proporcionar a instrução possível; procurar apagar as tristezas e colaborar nas alegrias (...). Dir-se-á que, em termos afetivos, dificilmente se encontrará expressão mais eloqüente de tratamento do que o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai".

A reputação e o tratamento de filho, segundo EDUARDO DOS SANTOS, dependem da personalidade de cada pessoa, do seu temperamento e caráter, da sua categoria e condição social, situação econômica e familiar, grau de educação e instrução e hábitos, isso porque se pode chamar alguém de filho sem lhe dar, entretanto, o tratamento de filho. Para o jurista, o tratamento de filho é (des)velado através de duas condutas: a primeira, pelos atos de proteção e amparo econômico (sustento, vestuário, educação ou colocação); a segunda, pela afetividade por parte dos pretensos pais (carinho, ternura, desvelo, amor, respeito). Em momento seguinte, o articulista atesta que pode haver reputação sem tratamento e tratamento sem reputação, mas "o tratamento é o melhor índice de reputação", que reclama, segundo o autor, atos inequívocos, públicos e de certa continuidade. Não basta a prática de um ato isolado, com sentido incerto, isto é, "não são suficientes meros fatos episódicos, sem relevância. Exige-se reiteração, regularidade e seqüência. Os atos equívocos, clandestinos, esporádicos, avulsos e isolados não revelam tratamento".
O requisito da reputação merece cuidado especial, alerta EDMILSON VILLARON FRANCESCHINELLI, não basta a prova do 'diz-se', o 'consta', o 'é voz pública', o 'ouviu dizer', pois os boatos, a má língua, a bisbilhotice malévola não constituem a reputação, que deve "basear-se em fatos concretos, tem de ser uma prudente, séria e lógica ilação dos fatos que constituem a reputação e tratamento como filho pelos supostos pais do vindicador do estado". Além disso, segundo o autor, a reputação deve ser contínua, na medida em que não servem de prova os fatos intermitentes, avulsos, sem concatenação e seqüência lógica. Embora comprovados os requisitos de tratamento e de reputação, a doutrina tem tido dificuldades em apontar um lapso prazal a indicar a canonização do estado de filho afetivo. Concordo, por isso, com LUIZ EDSON FACHIN, quando afirma que "diante do caso concreto, restará ao juiz o mister de julgar a ocorrência, ou não, de posse de estado, o que não retira desse conceito suas virtudes, embora exponha sua flexibilidade. E isso há de compreender-se: trata-se de um lado da existência, de um elemento de fato, e é tarefa difícil, senão impossível, enjaular em conceitos rígidos a realidade da vida em constante mutação".


O Jurista português GUILHERME DE OLIVEIRA diz que não sabe explicar a razão de os legisladores franceses, luxemburgueses e espanhóis terem fixado, respectivamente, o prazo de duração mínimo do estado de filho afetivo (posse de estado de filho) em dez, três e quatro anos, isso porque "o estabelecimento de um prazo, em matéria sem antecedentes legais é com certeza um passo arbitrário", mas, de acordo com o autor, nota-se "uma tendência para defender a estabilidade do vínculo ao fim de prazos curtos", conclui o autor.

Recordo as palavras de GUILHERME DE OLIVEIRA, porque a atribuição de sentido a ser realizada, quando da outorga da paternidade e/ou maternidade biológica ou sociológica, deve passar, necessariamente, por uma visão garantista/garantidora do Direito de Família e do processo. Ora, se nos planos legislativo e hermenêutico é possível estabelecer vários prazos para o reconhecimento do estado de filho afetivo, a opção do operador do Direito deve levar em conta uma visão utilitarista do processo de família, isto é, o mínimo de sacrifício para os pais e o máximo de benefício para o filho (princípios da prioridade e da prevalência absoluta). Por isso, a necessidade de ser examinada a singularidade do caso, pois, como refere LENIO LUIZ STRECK, citando HEIDEGGER, 73 "tomar aquilo que 'é' por uma presença constante e consistente, considerado em sua generalidade, é resvalar em direção à metafísica". Aduz, ainda, que, para a Nova Hermenêutica, de vertente heideggeriana-gadameriana, "interpretar é produzir/agregar/adjudicar sentido ao texto, que passará a ser norma a partir da interpretação. Não pode haver hermenêutica sem relação social". Por fim, o autor certifica que o texto deve ser interpretado pelo jurista não com pensamento voltado na lei e nem captando o seu sentido, mas, sim, "mergulhado no rio de sua história, deslizando até o presente de sua aplicação, ou seja, não é possível interpretar sem ter em conta um caso concreto (nas suas especificidades)".

Com base nessa idéia, é possível afirmar que, quando o legislador ou o pensamento dogmático do Direito estabelecem certo lapso prazal para a configuração do estado de filho afetivo, estão, na verdade, ocultando, escondendo ou anulando, ao invés de mostrar, (des)velar a verdadeira paternidade e maternidade, que somente pode ser vislumbrada na singularidade do caso.

6 - Paternidade e Maternidade Socioafetiva

Na leitura de JOÃO BAPTISTA VILLELA, o reconhecimento de filho tem "todo aquele, e somente aquele, a quem falte o pai juridicamente estabelecido. Não o tem, portanto, em princípio, aquele a quem a condição de havido do casamento já lhe dá o pai". Essa afirmação me faz lembrar um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em que foi defendida a paternidade sociológica, nos seguintes termos: "Um coito apenas determina para a vida inteira um parentesco, um coito entre pessoas que, às vezes, só tiveram aquele coito e nada mais! Desprezam-se anos e anos de convivência afetiva, de assistência, de companheirismo, de acompanhamento, de amor, de ligação afetiva. Daí não se tratar de um rematado absurdo a cogitação de que se pudesse pretender pôr limites à investigação da paternidade biológica, porque, quando se permite indiscriminadamente esta pesquisa, se está jogando por terra todo o prisma socioafetivo do assunto, e isto vale também para a paternidade biológica, não só para a adotiva. O pai e a mãe criaram um filho, com a melhor das criações possíveis, com todo o amor que se podia imaginar; passam-se os anos; 40 anos depois, resolve o filho investigar a paternidade com relação a outra pessoa, esbofeteando os pais que o criaram por 40 anos! E normalmente esses pedidos são tão despropositados que, falando em tese, muitas vezes têm a ver apenas com a cobiça, descobrem que o pai biológico tem dinheiro, vai herdar, então despreza os pais que o criaram, que deram toda a educação, quer adotivos, quer biológicos – tidos como biológicos -, e vai procurar o outro pai que teve o tal de coito, uma vez na vida".

A filiação socioafetiva pode até nascer de indício, instrui EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE, "mas toma expressão na prova; nem sempre se apresenta desde o nascimento. Revela o pai que ao filho empresta o nome, e que mais do que isso o trata publicamente nessa qualidade, sendo reconhecido como tal no ambiente social". O pai – prossegue – que alimenta o filho "expõe o foro íntimo da paternidade, proclamada visceralmente em todos os momentos, inclusive naqueles que toma conta do boletim e da lição de casa. É o pai de emoções e sentimentos, e é o filho do olhar embevecido que reflete aqueles sentimentos". A paternidade socioafetiva é a única que garante a estabilidade social, edificada no relacionamento diário e afetuoso, formando uma base emocional capaz de lhe assegurar um pleno e diferenciado desenvolvimento como ser humano, certifica JOSÉ BERNARDO RAMOS BOEIRA, porque "ter um filho e reconhecer sua paternidade deve ser, antes de uma obrigação legal, uma demonstração de afeto e dedicação, que decorre mais de amar e servir do que responder pela herança genética".

Na maioria dos casos, a filiação se deriva da relação biológica, mas "ela emerge da construção cultural e afetiva permanente, que se faz na convivência e na responsabilidade. O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não do sangue". Na Constituição Federal de 1988 não reside sequer um dispositivo legal que privilegie a paternidade genética em detrimento da socioafetiva, ou que tenha cobrado do registro de pessoas naturais qualquer fidelidade aos fatos da biologia. 80 Esse entendimento, porém, é podado por julgado catarinense, nos termos: "Se tanto a família adotiva como a biológica tem condições de cuidar do infante, deve prevalecer a última, porquanto o art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente prioriza a família biológica, estabelecendo que a criança deverá ser criada pela família substituta apenas em situações excepcionais".

Vê-se, pois, que há resistência na doutrina e na jurisprudência em igualar as filiações biológica e sociológica, o que, até certo ponto, pode ser compreendido com a leitura de ENGELS, que anota as dificuldades nas mudanças do parentesco e da família antiga, porquanto, para ele, a família é o elemento ativo, que não permanece estacionada, passando de uma forma inferior a uma forma superior, à medida em que evolui a sociedade. Já os sistemas de parentesco, continua o autor, "são passivos; só depois de longos intervalos, registram os progressos feitos pela família, e não sofrem uma modificação radical senão quando a família já se modificou radicalmente".

Portanto, parafraseando ENGELS, a filiação afetiva é o elemento ativo, não permanece estacionária, mas passa de uma forma inferior a uma forma superior, à medida que a sociedade evolui de um grau mais baixo para outro mais elevado. Já a filiação consangüínea (biológica, genética) é passiva, e só depois de longos intervalos registra os progressos feitos pela filiação sociológica, e não sofre uma modificação substancial senão quando a filiação social já se modificou radicalmente. A essa situação fática e jurídica denomina-se paradigma da perfilhação biológica, que está em momento de transição com a filiação sociológica, e toda "transição para um novo paradigma é uma revolução científica", pontifica THOMAS S. KUHN, não se caracterizando um processo cumulativo, advindo da articulação do velho paradigma, mas, sim, um redimensionamento, uma relativização "da área de estudos a partir de novos princípios, reconstrução que altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como de seus métodos e aplicações". Durante o período de transição, continua KUHN, ter-se-á grande coincidência, inobstante incompleta, entre as questões que podem ser solucionadas pelo "antigo paradigma e os que podem ser resolvidos pelo novo. Haverá igualmente uma diferença decisiva no tocante aos modos de solucionar os problemas. Completada a transição, os cientistas terão modificado a sua concepção na área de estudos, de seus métodos e de seus objetivos".
Está ocorrendo uma substituição do predomínio material por elementos afetivos, em franca negação do modelo familiar Romano, atesta EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE, "resultando disso que o exercício da paternidade quer, agora, uma dimensão mais ampla, que envolve, especialmente, o afetivo". Logo, afirma o escoliasta, "não basta ser genitor, nem educador, nem capaz de transmitir nome e bens, mas e sobretudo, o pai é aquele que estabelece um profundo vínculo amoroso com o filho". Nesse sentido, o autor historia que há duas verdades em matéria de perfilhação: a verdade biológica – a dos laços de sangue – e a verdade do coração – dos sentimentos -, esta é "a que corresponde à filiação querida, desejada, vivenciada no dia-a-dia de uma existência. A inserção da noção de paternidade responsável (art. 226, § 7º) pôs um fim, ao menos formalmente, à insustentável supremacia da paternidade biológica". Em momento seguinte, conclui que "o direito da filiação não é somente o direito da filiação biológica, mas é também o direito da filiação vivida', ou, como bem asseverou GERARD CORNU, 'o direito da filiação não é somente um direito da verdade. É também, em parte, um direito da vida, do interesse da criança, da paz, das famílias, das afeições, dos sentimentos morais, da ordem estabelecida, do tempo que passa ...".

Também dignos de nota são os argumentos de JOÃO BAPTISTA VILLELA, ao testificar que "ser pai ou ser mãe é, em larga medida, saber ouvir". Depois, invoca DAVID COOPER, "quando punha a nu os equívocos da família assentada na consangüinidade, pois 'o sangue é mais espesso que a água apenas porque se constitui na corrente energizadora de uma certa estupidez social". Nas palavras de LUIZ EDSON FACHIN, no fundamento do estado de filho afetivo é possível encontrar a genuína paternidade, "que reside antes no serviço e no amor que na procriação. Esse sentido da paternidade faz eco no estabelecimento da filiação e, por isso, reproduzindo a modelar frase do professor JOÃO BAPTISTA VILLELA, é possível dizer que, nesse contexto, há um nascimento fisiológico e, por assim dizer, um nascimento emocional".

Nessa mesma ordem de defesa em favor da paternidade e maternidade sociológica, a referência de GUILHERME DE OLIVEIRA, ao se manifestar sobre a filiação francesa, reconhecendo que o fato de a família viver como se o vínculo biológico existisse cria "uma comunidade psicológica que pode ser tão forte como a comunidade de sangue. Em suma, tratou-se de dar relevância à verdade sociológica da filiação, de guardar a paz das famílias que assente na comunhão filial duradoura".

A função de protetor, de pai social, no entender de ALMEIDA JÚNIOR, independeu, a princípio, da de genitor, de pai biológico, segundo demonstram os estudos glóticos. Nesse ponto, salienta o autor, a informação de MAX MÜLLER, nos termos: "Pai é derivado da raiz PA, que não significa gerar, mas proteger, amparar, nutrir. O pai como procriador era chamado, em sânscrito, ganitar, mas como proteger e amparo do filho era chamado pitar. Eis porque as duas expressões são empregadas juntas, nos Vedas, para exprimir a idéia completa de pai". A seguir, o articulista atesta que, primitivamente, no conceito social de paternidade não se incluía, necessariamente, o elemento biológico, o que somente veio a ocorrer mais tarde, por dois motivos psicológicos: "a) o ciúme, passando-se a exigir a exclusividade; b) o narcisismo, para rever-se no produto, levando o homem a exigir, como condição para tornar-se pai social, a convicção da paternidade biológica".

A verdadeira filiação, na mais moderna tendência do Direito Internacional, "só pode vingar no terreno da afetividade, da intensidade das relações que unem pais e filhos, independente da origem biológico-genética". Somente a doutrina e a jurisprudência tradicionais não aceitam a igualdade entre a filiação biológica e sociológica. A intolerância jurídica e social é de tal envergadura que alguns juristas profetizam que os direitos somente podem ser outorgados ao filho aprisionado pelo sangue, esquecendo-se de que, enquanto a família biológica navega na cavidade sangüínea, a família afetiva transcende os mares do sangue, conectando o ideal da paternidade e maternidade responsável, hasteando o véu impenetrável que encobre as relações sociológicas, regozijando-se com o nascimento emocional e espiritual do filho, edificando a família pelo cordão umbilical do amor, do afeto, do desvelo, do coração e da emoção, (des)velando o mistério insondável da filiação, engendrando o reconhecimento do estado de filho afetivo.
Não se pode arquitetar diferença jurídica entre filho biológico e afetivo, porquanto, em ambos os casos, são reconhecidos como filhos, os quais, perante a Constituição Federal de 1988, são iguais em direitos e obrigações. Não há diferença de criação, educação, destinação de carinho e amor entre os filhos sociológicos e biológicos, não se podendo conferir efeitos jurídicos desiguais em relação a quem vive em igualdade de condições, sob pena de revisitar a odiosa discriminação entre os filhos, o que seria, sem dúvida, inconstitucional, à medida que "toda a filiação é adotiva, porque é necessário o ato de aceitação da criança como filho para que exista realmente essa vinculação afetiva entre mãe e filho ou pai e filho". Nesse mesmo sentido, o jurista português GUILHERME DE OLIVEIRA, citando CARBONNIER, sentencia que "toda a filiação legal contém, por isso, uma parte de adopção", e acrescenta que essa lapidar frase é hoje repetida por juristas de vários países, a proteger a família sociológica.
Os verdadeiros pais são aqueles que amam e dedicam sua vida a uma criança, "pois o amor depende de tê-lo e se dispor a dá-lo. Pais, onde a criança busca carinho, atenção e conforto, sendo estes para os sentidos dela o seu 'porto seguro'. Esse vínculo, por certo, nem a lei nem o sangue garantem". Com razão, assim, EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE, ao dizer que houve a "desencarnação" da família, consistente na "substituição do elemento carnal ou biológico, pelo elemento psicológico ou afetivo", ou seja, "o que domina a evolução da família é a tendência inexorável de se tornar cada vez menos organizada e hierarquizada, priorizando cada vez mais o sentimento e a afeição mútua". Segundo a leitura de LUIZ EDSON FACHIN, não são os laços bioquímicos que indicam a figura do pai, mas, sim, o cordão umbilical do amor, "o desvelo e o serviço com que alguém se entrega ao bem da criança. A verdadeira paternidade não é um fato da biologia, mas um fato da cultura. Está antes no devotamento e no serviço do que na procedência do sêmen".

Em vista do Texto Constitucional de 1988, a finalidade da família é a concretização, a refundação do amor e dos interesses afetivos entre os seus membros, pois "o afeto, como demonstram a experiência e as ciências psicológicas, não é fruto da origem biológica. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência, e não do sangue". Atualmente, promove-se a (re)personalização das entidades familiares e o cultivo do afeto, a solidariedade, a alegria, a união, o respeito, a confiança, o amor, enfim, "o projeto de vida comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe, com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas".

Na legislação comparada pode ser citado o art. 334-9 do Código Civil francês, com a redação dada pela Lei de 3 de janeiro de 1972, dispondo que "todo reconhecimento é nulo, todo o pedido de investigação inadmissível quando o filho tenha filiação legítima já estabelecida pela posse do Estado". É uma Lei que prioriza os interesses do filho e, embora valorando a verdade biológica, traz inserida também uma influência de cunho sociológico, caracterizado pela verdade afetiva, aduz JACQUELINE FILGUERAS NOGUEIRA. Ainda que, desse modo, não seja possível estabelecer filiação quando pendente o estado de filho afetivo, aduz ainda a autora, cuja reforma legislativa "abriga a paternidade que decorre da procriação, isto é, a verdade biológica; já, num segundo momento, deslumbra-se que não deve ser única, mas, contrariamente, deve vir acompanhada de um valor maior, qual seja, o afetivo". Na Alemanha é dito que toda a criança tem o direito de ver estabelecida sua filiação paterna. Em caso de inseminação artificial heteróloga, aqueles tribunais atribuem a paternidade ao pai biológico, isto é, "ao doador, que não pode ficar totalmente anônimo", noticia EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE. Na França – continua o autor – preserva-se o anonimato do doador, o que "significa reconhecer que, nesse País, se optou em favor da prevalência da vontade como valor fundador da filiação. Isto é, enquanto na Alemanha se privilegiou a mera paternidade biológica, na França, é a paternidade afetiva (ou social) que se impôs como regra".

O Brasil deve acolher a legislação francesa, proibindo-se o reconhecimento da filiação biológica quando estabelecida a filiação afetiva. Discordo, porém, dessa legislação alienígena ao não permitir a flexibilização da filiação afetiva para investigar a paternidade ou a maternidade para alguns efeitos jurídicos, vez que o filho natural ou o medicamente assistido, seja biológico, seja socioafetivo, tem o direito constitucional de conhecer a sua ancestralidade, que faz parte do direito à cidadania e à dignidade humana. Com a formatação da igualdade constitucional da filiação, a não-concessão ao filho sociológico do direito de investigar a paternidade e maternidade biológica ocasionaria um injustificável retrocesso social dos direitos fundamentais. Concordo que a filiação afetiva (posse de estado de filho) é irrevogável, assim como o é a adoção, mas não se pode proibir que o filho conheça seus pais biológicos, até porque, segundo o Superior Tribunal de Justiça, "o filho pode ter respeitável necessidade psicológica de conhecer os verdadeiros pais". Aliás, nesse sentido, GUILHERME DE OLIVEIRA lembra que "é conhecido um trabalho feito na Escócia, depois de 44 anos de publicidade dos registos, que mostra a vantagem psicológica de saber as origens genéticas".

Por isso, para o Brasil, deve ser aplicada parte da legislação alemã e parte da francesa: a) a alemã, porque todo filho, em vista da unidade da filiação e a conseqüente proibição de discriminação, independentemente de sua origem, tem o direito de investigar a paternidade biológica, inclusive contra o(a) doador(a) de sêmen ou de óvulo, na adoção, na inseminação artificial, na gestação substituta, na clonagem, enfim, em qualquer espécie de reprodução humana natural e medicamente assistida, já que faz parte dos princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana, alçados a fundamento da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito; b) a legislação francesa também deve ser recepcionada, na medida em que, na descoberta da verdade científica, devem ser perseguidos os princípios da prioridade e prevalência absoluta dos interesses da criança, pelo que, nesse amplo conceito, a verdade afetiva sobrepuja a verdade biológica.

Assim, por exemplo, se estabelecida a filiação socioafetiva, tanto na reprodução humana natural quanto na medicamente assistida, ao filho assiste o direito de ajuizar ação de investigação de paternidade biológica, postulando apenas dois efeitos jurídicos: 1) para observar os impedimentos matrimoniais; 2) para preservar a saúde e a vida do filho ou dos pais biológicos, em caso de doenças genéticas graves, pois, em certas circunstâncias, pode-se tornar indispensável a revelação do terceiro doador de sêmen ou óvulo, "para se evitar incesto entre filhos biológicos de uma mesma origem e, sobretudo, para se evitar propagação de doenças genéticas".

7 - Breve Abordagem Psicanalítica da Filiação

Em reportagem sobre a família portuguesa, foi dito que a ausência do pai na família gera, na maioria das vezes, o aumento da delinqüência infantil e juvenil, do consumo de drogas e do insucesso escolar. Esse abandono paterno é provocado principalmente por um problema cultural de nossos dias: o individualismo, tendo, como conseqüência, a rejeição das responsabilidades e dos compromissos, o que é mais visível no homem, pois não tem uma ligação imediata à criança. A reportagem também afirma que no livro "Fatherless America", de DAVID BLANKENHORN, o autor chegou à conclusão de que a ausência do pai nas famílias norte-americanas "está directamente relacionada com o aumento de divórcios e de mães solteiras. Isto tornou-se num problema social que, segundo BLANKENHORN, fez disparar as taxas de delinqüência juvenil".

Ao se buscar a Justiça, o Direito deve se apropriar dos conhecimentos da Psicanálise, da História, das Religiões, enfim, a vida nos ensina que o pai tem função fundamental no recanto da família, comenta RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, citando SIGMUND FREUD, e que, nas tribos primitivas, o pai era assassinado pelos próprios filhos para a refeição totêmica, tornando-se o pai, assim, "mais poderoso do que jamais fora em sua vida, pois ele passa a ocupar um lugar simbólico: passa a ser um significante". E isso ocorre, segundo o autor, porque o pai ocupa o lugar da lei, isto é, a lei é representada pela figura do pai, que "possibilita a passagem da natureza para a cultura, através de um interdito proibitório na relação mãe-filho".

Quando nasce uma criança, comenta o psicanalista CÉLIO GARCIA, o pai comparece e a registra em seu nome: "eis o nome do pai. Até então o pai é incerto. Pater sempre incertus est dizem os comentadores da lei. O pai, nesse caso, é uma função, nada mais; esvazia-se assim a lenda e seu aparato que idealizava a figura do pai". Depois, o autor atesta que a mãe fala no pai quando faz a habitual afirmação: "quando teu pai chegar, você vai ver! A fala da mãe sobre o pai é decisiva; esta instaura o terceiro termo marcador de uma instância outra, estranha à fusão mãe/filho. A instância outra a que me refiro é de ordem simbólica". A carência do pai não está ligada a sua presença, ou não, porquanto ele pode estar presente mesmo na ausência, pontifica FERNANDA OTONI DE BARROS, que ainda indaga: quem já não passou pela experiência de perder o pai e, nem por isso, perder a sua palavra? Ou seja, "a carência se coloca aí, na dimensão simbólica, na insuficiência da sua palavra". Depois, a articulista diz que, de acordo com SIGMUND FREUD, o ser humano instala o pai no centro do complexo de Édipo, pois "ele é quem abre sua entrada para o sujeito e também quem tem a chave de saída. É com ele que o sujeito se identifica, é ele quem aponta a mãe como objeto de desejo e quem marca sua proibição. É ele quem garante o nome das coisas e a sua falta". Conclui a autora, atestando que "o nome do pai deve receber o tratamento de uma instituição; como LEGENDRE dizia, instituir o nome do pai para o filho é uma função jurídica muito importante no processo de filiação, uma vez que 'instituir é fabricar o traçado escrito', é legitimar o nome do pai".

A família não é base natural, e sim cultural da sociedade, assegura RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, com base nas pesquisas de JACQUES LACAN, não se constituindo apenas por um homem, mulher e filhos, mas, sim, de uma edificação psíquica, em que cada membro ocupa um lugar/função de pai, de mãe, de filho, sem que haja necessidade de vínculo biológico. Prova disso, evidencia o autor, é o fato de que "o pai ou a mãe biológica podem ter dificuldade, ou até mesmo não ocupar o lugar de pai ou de mãe, tão necessários (essenciais) à nossa estruturação psíquica e formação como seres humanos". Contudo, essa fundamental função paterna não precisa ser ministrada, necessariamente, pelo pai biológico, e sim por um pai (afetivo), continua o autor, na medida em que "o pai pode ser uma série de pessoas ou personagens: o genitor, o marido da mãe, o amante oficial, o companheiro da mãe, o protetor da mulher durante a gravidez, o tio, o avô, aquele que cria a criança, aquele que dá o seu sobrenome, aquele que reconhece a criança legal ou ritualmente, aquele que fez a adoção..., enfim, aquele que exerce uma função de pai".

O novo milênio faz emergir a significação enigmática do "ser" pulsional e social (simbólico), afirma JEANINE NICOLAZZI PHILIPPI, acrescentando que a Psicanálise aposta na necessidade de edificação, "ainda que artificial (como tudo o que é da cultura), de uma vontade partilhada, que possibilite uma 'fraternidade discreta', ao redefinir, a partir do lugar e da função do sujeito, o estatuto da lei...".

Destarte, está na hora de ser relativizado o paradigma da paternidade e da maternidade biológico, porque o filho precisa da figura de um pai, e não tão-somente de um genitor, para contribuir no desenvolvimento intrapsíquico, na medida em que "faz parte da natureza humana o desejo de ser amado e protegido". Contudo, embora deva ser idolatrada a filiação afetiva, já que uma das partes mais importantes de nossas vidas e constante do Texto Constitucional (art. 226, §§ 4º e 7º, e 227, § 6º, da CF), não se pode desdenhar o liame biológico da relação paterno-filial, de vez que, da afetividade, que também deve estar presente no liame biológico, "surge um novo personagem a desempenhar o importante papel de pai: o pai social, que é o pai de afeto, aquele que constrói uma relação com o filho, seja biológico, ou não, moldada pelo amor, dedicação e carinho constantes". É dizer, o elemento fundante na identificação da verdadeira e única filiação "é o relacionamento socioafetivo entre pais e filhos, portanto necessário se faz o reconhecimento do afeto como valor jurídico". Aliás, sequer haveria necessidade de lançar os fundamentos jurídicos para justificar que numa família se respira o afeto, o amor, o desvelo, "uma vez que tal noção é um elemento essencial nas relações interpessoais que a formam".

8 - Irrevogabilidade da Filiação Socioafetiva

Conforme inteligência do art. 48, do Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção é irrevogável. Considerando que a Constituição Federal engendrou a unidade da filiação, assim como a irrevogabilidade da adoção, que é uma forma de filiação socioafetiva (em suas várias modalidades, conforme consta do início deste capítulo), conclui-se que a filiação sociológica também é irrevogável. Isso porque, além de ter assento constitucional (arts. 226, §§ 4º e 7º, e 227, § 6º), devem ser observados os princípios da prioridade e da prevalência absoluta dos interesses da criança e do adolescente, conforme art. 227, cabeço, da Carta Magna, e arts. 1º, 6º, 15 e 19, entre outros, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
No art. 1º da Lei nº 8.069/90 (ECA) é acalentada a incidência dos princípios da proteção integral à criança e ao adolescente, demonstrando, com isso, que "se o século XX foi das mulheres, o século XXI será indiscutivelmente das crianças". No art. 6º do mesmo diploma legal é dito que, na interpretação dessa Lei, "levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento". Comentando esse artigo, LIMONGI FRANÇA assevera que a expressão fins sociais significa que a "aplicação da lei seguirá a marcha dos fenômenos sociais, receberá, continuamente, vida e inspiração do meio ambiente e poderá produzir a maior soma possível de energia jurídica". No art. 15 do ECA é garantido o "direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis", indicando que o legislador pretende impedir que, "em nome dos direitos subjetivos conferidos aos pais, pudessem ser sacrificados os valores atinentes à tutela da personalidade da criança e do adolescente, alvo de atenção específica pelo ordenamento civil-constitucional".

A doutrina e a jurisprudência, paulatinamente, estão reconhecendo a irrevogabilidade da filiação sociológica. Com efeito, para ZENO VELOSO, permitir que o pai, a seu bel-prazer, pudesse, a qualquer tempo, desfazer o reconhecimento da paternidade de um filho seria uma extremada injustiça, caracterizando um gesto "reprovável, imoral, sobretudo se o objetivo é fugir do dever de alimentos, ou para evitar o agravante de parentesco num crime, por exemplo". Com relação ao direito comparado, ZENO VELOSO faz as seguintes ponderações: a) na Argentina, quem reconhece a paternidade não pode impugná-la, já que irrevogável, mas pode sustentar a nulidade do ato, se houve algum vício do consentimento; b) na jurisprudência européia, sente-se um movimento para evitar ou, pelo menos, atenuar a possibilidade de o declarante impugnar a paternidade; c) na França, desde 1972, com a modificação do art. 339, alínea 1, do Código Civil, também não é viável a impugnação da filiação, caso pendente o estado de filho afetivo por dez anos; d) na Suíça, o art. 260, alínea 2, do Código Civil, não admite a revogação do reconhecimento da paternidade, salvo se provar que agiu sob a coação, ou que incidiu em erro.

Com razão, pois, JOÃO BAPTISTA VILLELA, ao proclamar que um reconhecimento de filho, mesmo que efetuado por equívoco, (...) "não se combate com o manejo da ação de falsidade do registro, senão com ação de nulidade por erro na declaração unilateral não-receptícia de vontade". E, segundo CRISTIAN FETTER MOLD, nem mesmo "uma simples 'pressão psicológica', de nenhum modo, pode ser equiparada a uma 'coação', o que não dá azo à desconstituição do registro, uma vez que o reconhecimento é irrevogável". Já para a legislação portuguesa, lembra EDUARDO DOS SANTOS, "a posse de estado constituída é, em princípio, irretratável. Nisto, pode-se dizer, é pacífica a jurisprudência".

Quanto ao reconhecimento voluntário da paternidade, a jurisprudência também entende ser irrevogável a filiação socioafetiva, uma vez configurada a posse de estado de filho, o que se haure do seguinte julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, nos seguintes termos:

"Uma vez aperfeiçoada, torna-se irretratável a declaração de vontade tendente ao reconhecimento voluntário de filiação. A invalidação dar-se-á apenas em razão de dolo, erro, coação, simulação ou fraude. Se foi o próprio recorrido a pessoa que compareceu ao cartório e fez as declarações de registro, não pode ela agora procurar anulá-la para beneficiar-se da anulação, principalmente em prejuízo de quem não participou do ato e nem podia participar, por ser menor de idade. Durante muitos anos de convivência entre a apelante e o apelado, este comportou-se como um pai verdadeiro, assumindo a recorrente como filha, implementando faticamente a declaração jurídica afirmada no registro civil. A declaração de vontade tendente ao reconhecimento voluntário da filiação, admitindo alguém ser o pai ou a mãe de outra pessoa, uma vez aperfeiçoada, torna-se irretratável. A exemplo do que ocorre com os demais atos jurídicos, a invalidação pode verificar-se em razão de erro, dolo, coação, simulação ou fraude. É de sabença geral que ninguém pode alegar, em seu benefício, a própria torpeza."

A esse respeito, foi prolatado acórdão no Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa foi edificada nos seguintes termos:

"As normas jurídicas hão de ser entendidas tendo em vista o contexto legal em que inseridas, e considerando os valores tidos como válidos em determinado momento histórico. Não há como interpretar-se uma disposição ignorando as profundas modificações por que passou a sociedade, desprezando os avanços da ciência e deixando de ter em conta as alterações de outras normas, pertinentes aos mesmos institutos jurídicos. Nos tempos atuais, não se justifica que a contestação da paternidade pelo marido, dos filhos nascidos de sua mulher, se restrinja às hipóteses do art. 340 do Código Civil, quando a ciência fornece métodos notavelmente seguros para verificar a existência do vínculo de filiação. Decadência. Código Civil, art. 178, § 3º. Admitindo-se a contestação da paternidade, ainda quando o marido coabite com a mulher, o prazo de decadência haverá de ter, como termo inicial, a data em que disponha ele de elementos seguros para supor não ser o pai de filho de sua esposa."

No corpo do acórdão, foi invocada a doutrina de LUIZ EDSON FACHIN, que faz o seguinte alerta:
"A posse de estado começa a exercer um papel decisivo para o estabelecimento da paternidade. É preciso, então, verificar o que a elevou a esse patamar. O sistema clássico de estabelecimento da filiação vinha assentado na direção protetiva da instituição familiar matrimonializada e calcado, por isso, numa visão patriarcal e hierarquizada da família. O estabelecimento da filiação, seguindo essas diretivas, chancelava um conjunto de normas para dar abrigo jurídico à defesa superior da família, sacrificando outros valores que podiam parecer incongruentes com esse mister. Muitas vezes, não passava pelos muros da verdade jurídica a busca da verdade biológica, menos ainda a da verdade socioafetiva, a não ser nos limites estreitos previstos pelo próprio sistema no seio da 'contestação' privativa da paternidade. A superação desse sistema leva em conta precisamente a verdade da filiação, permitindo-se perquirir a verdadeira descendência genética. Mas, além disso, expressivo movimento legislativo percebeu uma realidade marcante: a verdadeira paternidade não pode se circunscrever na busca de uma precisa informação biológica; mais do que isso, exige uma concreta relação paterno-filial, pai e filho que se tratam como tal, donde emerge a verdade socioafetiva. Balanceando a busca da base biológica da filiação com o sentido socioafetivo da paternidade, o legislador valeu-se da conhecida noção de posse de estado. Não é propriamente à verdade biológica da filiação que a posse de estado de filho serve prioritariamente. Depreende-se que ela se dirige mais a valorizar o elemento afetivo e sociológico da filiação, porque sua ausência pode pôr em dúvida o vínculo da filiação" (Da paternidade – relação biológica e afetiva. Del Rey, 1996, p. 61 e ss.).

Também consta desse acórdão que a presunção legal da paternidade "cede diante da realidade contrária". E essa cedência da paternidade frente à realidade contrária, com o advento da Constituição Federal de 1988, é justamente a edificação de estado de filho afetivo, ou seja, quando um pai cria e educa uma pessoa como filho, mesmo que não biológico, ele deixa emergir o estado de filho sociológico, a verdade socioafetiva. Com isso, não mais poderá impugnar essa paternidade, mesmo que não seja o pai genético, porquanto, no Brasil, existem apenas duas verdades da perfilhação: biológica e socioafetiva (sociológica, afetiva). A impugnação da paternidade somente pode ser efetivada enquanto não presente o estado de filho socioafetivo, mas fica em aberto o direito do pai em ajuizar ação de anulação ou nulidade de registro por vício de manifestação de vontade ou por falsidade, em caso de dolo, fraude, coação, erro ou simulação.

Esse pensamento tem repercussão no campo da prescritibilidade da ação de investigação de paternidade, isto é, enquanto o filho não ostentar o estado de filho afetivo, a paternidade biológica poderá ser investigada, a qualquer tempo, e de forma ampla, para todos os efeitos jurídicos. Contudo, verificado o estado de filho socioafetivo, não mais será possível a investigação da paternidade biológica em todos os seus efeitos jurídicos, e sim apenas para preservar os impedimentos matrimoniais e a vida e a saúde do filho e dos pais biológicos, em caso de grave doença genética, pois não podem coexistir a paternidade afetiva e biológica, ao mesmo tempo, salvo se o pai biológico também for o social.

9 - Desnecessidade de Legislação Infraconstitucional para o Ajuizamento da Ação de Investigação de Paternidade Socioafetiva

A doutrina recorda que o Código Civil de 1916 e o novo Código Civil não albergam o estado de filho afetivo (posse de estado de filho), mas, mesmo assim, é sufragada a idéia de que a Carta Magna de 1988 reconheceu a paternidade e maternidade socioafetiva, alimentando "a esperança de que o legislador brasileiro preencha essa lacuna do direito pátrio, consagrando a posse de estado de filho em nosso ordenamento".

Com efeito, a doutrina, de um modo geral, tem contrariado duas afirmações: a primeira, a de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, de que "aceitar a posse de estado como hipótese não prevista é atribuir poder legiferante ao juiz, o que é incompatível com a natureza de direito escrito, do nosso sistema"; a segunda, a idéia de NÁGILA MARIA SALES BRITO, de que, "na ausência das causas elencadas no multicitado dispositivo de lei, torna-se impossível reconhecer a paternidade, mesmo restando provados o tractatus, o nomen e a fama", o que se haure dos seguintes termos: 1) "torna-se imperioso abrir maior espaço, entre nós, à posse do estado de filho, cujo papel no direito de família não pode ficar limitado ao âmbito da prova, senão que deve alcançar a própria constituição do status familiae"; 2) não apontando para a filiação sociológica, deixa-se "profunda lacuna no roto discurso da igualdade, na medida em que não protegem a filiação por afeto, realmente não exercem a completa igualização"; 3) "o retorno à noção de 'posse de estado' se verifica em razão da valorização das relações de afeto, da paternidade construída pelos 'laços que a vida diária tece'"; 4) "haverá razão mais nobre que o direito à filiação, com direitos de plena igualdade, como prega o texto constitucional, que prioriza a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do próprio Estado?"; 5) "esse aparente vazio pode ser legislativo, mas não será um óbice jurídico, porque essa suposta lacuna não afasta a integração do sistema do Direito. Tarefa difícil, mas necessária e imprescindível"; 6) "é importante, na ausência da lei, que o julgador tenha coragem e inove, adequando as normas à realidade social, defendendo, assim, os interesses e os anseios de uma sociedade desacreditada e carente de justiça".

Admito que o direito ao estado de filho afetivo não consta expressamente, mas de forma implícita do Texto Constitucional, pelo que desnecessária a promulgação de lei disciplinando a matéria, pelas seguintes razões:

- a primeira, a Constituição Cidadã de 1988, ao reconhecer a igualdade da filiação, não discrimina os filhos havidos, ou não, na constância do casamento, da união estável ou da comunidade formada entre o pai e/ou a mãe e o filho, pelo que os filhos têm o direito constitucional à paternidade e maternidade biológica ou socioafetiva;
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- a segunda, a Constituição Federal de 1988 (art. 226, § 4º) 139 engendrou a família monoparental, unilinear, nuclear, pós-nuclear, eudemonista ou socioafetiva, vivida no cumprimento das necessidades pessoais, com a comunhão de sentimentos e de afeto. Atesta LUIZ EDSON FACHIN que, "sob a concepção eudemonista da família, não é o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas a família e o casamento existem para o desenvolvimento pessoal do indivíduo, em busca de sua aspiração à felicidade". Logo, em tendo sido constitucionalizada a família sociológica, o Texto Constitucional trouxe ao ordenamento jurídico pátrio a filiação socioafetiva, eudemonista, afetiva, social, sociológica, isto é, transformou o afeto em valor jurídico;
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- a terceira, o Pacto Constitucional de 1988, nos arts. 1º, incisos II a IV, 3º, incisos I e IV, 4º, inciso II, apenas para citar alguns exemplos, valorizou a família e a pessoa humana, alçando a cidadania e a dignidade a fundamento do Estado Democrático de Direito e da República Federativa do Brasil. E nos arts. 226 a 230, quando tratou da família, da criança, do adolescente e do idoso, o Constituinte revogou todos os dispositivos legais do Código Civil de 1916, ainda arraigados ao Direito Romano, em que prevalecia a hierarquia e os interesses da família em detrimento do bem-estar de seus membros. Pelo Texto Constitucional brasileiro, a família é que deve ter como objetivo a felicidade de seus integrantes, pelo que está constitucionalizado o afeto, o carinho, o desvelo, a solidariedade.


Sendo assim, a família deste século não se identifica apenas pela existência da face tríade: pai, mãe e filho, mas também na imagem bifronte: pai ou mãe e filho. Além disso, o vínculo e parentesco genético devem ceder lugar, paulatinamente, "à noção de filiação de afeto, de paternidade e maternidade social ou sociológica", o que está desaguando num "conceito de felicidade individual em todas as searas jurídicas".

A família eudemonista busca a felicidade individual, vivendo um processo de emancipação de seus membros, "todos disputando espaços próprios de crescimento e de realização de suas personalidades, convertendo-se para o futuro em pessoas socialmente úteis, pois ninguém mais deseja e ninguém mais pode ficar confinado à mesa familiar". Isso bem demonstra a profunda modificação do conceito de unidade familiar, pois, antes da Constituição Federal de 1988, a família era composta de pais e filhos legítimos, somente edificada no casamento, mas, agora, a família é originária do casamento, da união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, independentemente da origem da filiação, e inteiramente voltada à "realização espiritual e o desenvolvimento da personalidade de seus membros".

Os direitos fundamentais, como, por exemplo, a filiação socioafetiva, pela sua importância material e formal, "foram consagrados no Texto Constitucional, sendo retirados da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos. Lutar pelos direitos fundamentais significa ter como meta a permanente e plena realização do princípio da dignidade da pessoa humana", já que, como refere LUIZ EDSON FACHIN, "tanto no plano patrimonial como no plano pessoal, todos os filhos têm o mesmo direito, sob os princípios da neutralidade e da inocência. Tão-só obedecer o comando constitucional".

Os direitos fundamentais da pessoa, constantes da Constituição Cidadã de 1988, bem demonstram que não é mais possível a denegação da cidadania e da dignidade humana, devendo-se assegurar a todos, indistintamente, esses princípios, porquanto, conforme feliz expressão de JORGE MIRANDA, "enquanto houver uma pessoa que não veja reconhecida a sua dignidade, ninguém pode considerar-se satisfeito com a dignidade adquirida". Localiza-se "as raízes da recepção do pluralismo, em matéria de família, pelo sistema jurídico no respeito aos direitos de cidadania e à dignidade humana", para que seja mantida a intangibilidade das dignidades dos filhos afetivos e biológicos, em igualdade de condições, na medida em que "nenhum princípio é mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição que o princípio da dignidade da pessoa humana". Como refere o Constitucionalista português GUILHERME DE OLIVEIRA, a verdade biológica parece ser "a verdade verdadeira, mas não se concebe um sistema jurídico que, embora não o diga, não conceda um lugar à verdade sociológica, aos hábitos individuais, familiares, sociais [...]. O facto de viver como se o vínculo biológico existisse cria [...] uma comunidade psicológica que pode ser tão forte como a comunidade de sangue [...] que seria pouco realista abalar [...], pois juieta non movere é uma das máximas secretas do Direito. Em suma, tratou-se de dar relevância à verdade sociológica da filiação, de guardar a paz das famílias que assente na comunhão filial duradoura".

Na jurisprudência já se encontra decisão no sentido da auto-aplicabilidade da filiação sociológica, conforme comprova o seguinte julgado:
"A despeito da ausência de regulamentação em nosso direito quanto à paternidade sociológica, a partir dos princípios constitucionais de proteção à criança (art. 227 da CF), assim como da doutrina da integral proteção consagrada na Lei nº 8.069/90 (especialmente nos arts. 4º e 6º), é possível extrair os fundamentos que, em nosso direito, conduzem ao reconhecimento da paternidade socioafetiva, revelada pela 'posse do estado de filho', como geradora de efeitos jurídicos capazes de definir a filiação."

10 - Considerações Finais

O novo milênio se depara com uma nova concepção de família, pois, no Direito Romano, a família era numerosa, edificada apenas pelo casamento, arquitetada de forma hierarquizada, em que o pai tinha o poder de vida e de morte sobre os filhos e importava mais o contexto familiar do que o bem-estar de seus membros. Hoje, no Direito brasileiro, a família é construída não tão-somente pelo casamento, mas também pela união estável ou pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, denominada família monoparental, nuclear, pós-nuclear, unilinear, eudemonista ou sociológica, na qual é professada a reciprocidade do ideal de felicidade, de desvelo, de carinho, de comunhão de afeto.

Como corolário da família eudemonista, a Carta Magna de 1988 trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro a filiação socioafetiva, dividindo o espaço social e jurídico com a filiação biológica (arts. 226, §§ 4º e 7º, e 227, § 6º). Alguma resistência ainda reside na doutrina e na jurisprudência, que insistem em afirmar que a verdadeira paternidade é apenas a genética, mas, como lembra o Jurista português GUILHERME DE OLIVEIRA, "não se concebe um sistema jurídico que, embora não o diga, não conceda um lugar à verdade sociológica".

Em habitando no ordenamento jurídico brasileiro tão-só as filiações biológica e sociológica, está extinta a filiação formal, ficção jurídica, mera presunção da paternidade e maternidade. Não se trata, com isso, de uma desbiologização da filiação genética, mas, sim, de um fortalecimento das duas perfilhações biológica e sociológica; a primeira, porque, com a produção do exame genético em DNA, a paternidade e maternidade são comprovadas com certeza científica; a segunda, com o acolhimento da Constituição Federal de 1988 da família eudemonista e instalando a igualdade entre todos os filhos, o afeto foi reconhecido como valor jurídico.

Com a exclusão e a afirmação, em praticamente 100% da paternidade e maternidade na produção do exame genético em DNA, que significa certeza científica, não se pode conceber que, na atualidade, essa prova não seja produzida na ação de investigação de paternidade e maternidade biológica, inclusive, se necessário, com a condução coercitiva do investigado, relativizando-se o princípio da dignidade da pessoa humana.

No decorrer da pesquisa científica, observou-se fenomenal mudança nos princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana, alçados a fundamento da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito. Com isso, não é mais possível a prolação de sentença no âmbito do Direito, essencialmente no recanto familiar, sem antes consultar esses dois superprincípios, para que, conforme sustenta LENIO LUIZ STRECK, haja o acontecer, o (des)velamento da Constituição Federal, já que é a forma suprema de todo o ordenamento jurídico e, sobretudo, "o que se pode chamar de validade do texto condicionado a uma interpretação em conformidade com o Estado Democrático de Direito".
Diante desse plenário jurídico, vê-se que são muitos os questionamentos a serem enfrentados pelos cultores do Direito, mas, conforme refere LUIZ EDSON FACHIN, cada questão contém, "em si mesmo, o gérmen de sua própria redargüição", e embora os fatos continuem a surpreender o Direito, a República Federativa do Brasil e o Estado Democrático de Direito estão assentados sobre o notável princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III, da CF), princípio "mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição", 162 reclamando que, "enquanto houver uma pessoa que não veja reconhecida a sua dignidade, ninguém pode considerar-se satisfeito com a dignidade adquirida". É dizer, o princípio da dignidade da pessoa humana é a base, o alicerce, o fundamento da modernização, socialização e humanização do Direito.